Walter S. Barbosa[1]
A
natureza humana é dual. Provavelmente, a mais objetiva evidência disso é a
relação entre o masculino e o feminino, que são forças ligadas ao
princípio criativo universal, estando presentes dentro de cada ser humano.
Atuando no aspecto da sexualidade (além de outros), esse princípio é
responsável pela geração de corpos físicos destinados a abrigar e expandir
consciências no mundo dos relacionamentos. Tais relacionamentos, por sua vez,
são vivenciados sob o jugo de outra dualidade: o prazer e a dor, causando
muitos conflitos. Desses conflitos deve nascer a Luz.
No nível estritamente material a história se
repete: a polaridade inerente à estrutura do átomo gera relações eletromagnéticas
que levam à formação de elementos e substâncias – sob a direção das Hierarquias
Criadoras –, sustentando o aspecto material de todo corpo. De diferentes
maneiras isso deve acontecer em todos os planos da manifestação – seguindo a
máxima de Hermes Trismegistro "Assim como é em cima, é embaixo" –
pois todos são atômicos, materiais, com diferentes graus de densidade. Atuando
no plano mental essa realidade nos escraviza, mas também nos liberta.
Contrapondo-se à dualidade como aspecto governante
da forma – incluindo os corpos ligados à personalidade –, encontra-se o
Princípio da Unidade inerente à Consciência
ou Espírito por trás da forma.
“Corporificado” em Deus como origem de tudo, esse princípio pode ser resumido
na palavra Amor, que é Sua manifestação. O Amor é a “cola” universal. Por meio
dele manifestamos Deus em tudo que fazemos. E quanto mais o fazemos, menos a
dualidade age destrutivamente nas relações, perdendo seu principal impulso: a
reatividade (tentáculo do passado no presente).
Desde a estrutura do átomo, não há corpo sem
consciência e nem consciência sem corpo, variando numa escala infinita o
tamanho ou grandeza dessas consciências. Na matéria inerente aos planos físico,
emocional e mental, essas consciências denominam-se "essência elemental".
Segundo Besant & Leadbeater, “Essa matéria se amolda muito facilmente à
influência do pensamento humano. Todo impulso que brote do corpo mental ou do
corpo astral, cria imediatamente uma espécie de veículo temporário, que se
reveste dessa matéria vitalizada”[2].
A essência elemental é semi-inteligente, e as formas que ela anima são
denominadas simplesmente “elementais”.
Vivendo em nossos corpos – mas pertencendo ao arco
descendente da evolução – essas forças influenciam nosso comportamento na
medida em que nos entregamos a elas, manifestando inveja, ira, rancor, preguiça
etc., justificando as palavras do apóstolo Paulo: "Não faço o bem que
quero, mas o mal que não quero, esse faço". De que maneira vemos os outros
por trás desse espesso véu? Da mesma forma que enxergamos a nós mesmos.
Em virtude das relações eletromagnéticas inerentes
ao átomo e também à consciência elemental do plano mental, a criação da forma
naquele mundo é instantânea, conforme a natureza da energia manipulada pela
consciência a partir dos pensamentos. Como entidades autoconscientes – mas
ainda ignorantes de nossos poderes – fazemos essa manipulação automaticamente,
criando formas mentais dotadas de vida, contra os outros e até contra nós
mesmos. Toda criação surge primeiro no plano mental, para depois se tornar
física. Somos co-criadores do Universo.
Conforme o grau de nossas consciências, se revela o
grau de nossos julgamentos em relação às pessoas. O que está determinando esse
grau? Naturalmente, a dualidade, pois a consciência daquele que julga é
permeada pela forma que a contém. Conforme a qualidade do corpo, em termos de
energia, é a qualidade do pensamento, do sentimento e, consequentemente, da
ação.
Quanto mais purificado nosso corpo (exaltando satva, a qualidade da harmonia na matéria),
menor sua dualidade e, portanto, menos tendencioso e reativo é o julgamento,
conseguindo sobrepor à nossa visão negativa aquilo que o outro tem de bom, até
o ponto em que o julgamento se dissolve na pura compassividade.
Alguém poderá dizer: "Não são as essas suas palavras
apenas um fruto do intelecto?" De fato, bem longe estamos de vivenciá-las
em nosso dia a dia. É simplesmente a aspiração que se derrama por nossos dedos,
algo que compartilhamos de coração para coração, como acontece a todo aspirante.
A vida dos homens santos, porém, é um exemplo disso. Estando seu corpo e
consciência unificados numa pura manifestação de amor, veem a realidade em
toda parte – como diz o sábio Ramana Maharishi – e assim jamais apontam o
dedo para alguém, jamais constrangem.
Ignorantes do mundo interno de cada um – com
suas misérias e conflitos (o que só a compaixão pode captar) – e fazendo vista
grossa às nossas próprias misérias, é de fato a arrogância que nos eleva à
condição do julgador. Como reverter esse processo, diminuindo o hábito dos
julgamentos – que anda de mãos dadas com a reatividade – trazendo harmonia às
relações? Essa questão pode ser examinada, com muito proveito, pelo ângulo das
energias, onde os aspectos psicológicos ganham a dimensão material.
Preliminarmente, como benefício direto do mundo dos
relacionamentos, não há como negar o fato de que um defeito qualquer apontado
em nós tem uma grande possibilidade de ser real,
atuando por ressonância magnética (identidade vibratória) sobre o outro, gerando
sua reação. Ou seja, a reação do outro pode não ser apenas uma projeção de seu
próprio defeito, algo que ele vê distorcido em função da cor dos “óculos”
mentais.
Então, como podemos distinguir se o defeito é real,
ou não? Um indicador seguro quanto a isso é o desconforto gerado em nós pelo
julgamento de que formos alvo. Esse desconforto representa a continuação da cadeia da ressonância,
mostrando que o defeito é verdadeiro, o que exigirá de nós muita reflexão e
trabalho interno, pondo consciência no problema a fim de superá-lo. Caso
contrário, poderemos olhar aquilo com indiferença e mesmo compreensão, extinguindo-se
aí a cadeia da reatividade.
“Deixar de fazer o mal, fazer o bem e purificar a
mente: essa é a lição de todos aqueles que despertaram”, ensina Gautama Buda.
No extremo da dualidade, o egoísmo e a maldade predominam, nos tornando joguetes da vida elemental. Nessa situação,
buscamos prazer unicamente para nós, sem nos importar com a dor que causamos
aos outros, na verdade sentindo prazer com essa dor. O mundo mental
provavelmente está cheio de formas-pensamento com essa finalidade.
Momentos assim, de maldade “explícita”, retornam ao
nosso dia a dia mesmo depois que passamos ao 2° nível – começando a praticar o
bem – incluindo as justificativas com que mascaramos nossos atos. É imensa a
variedade desses comportamentos, indo desde os ataques físicos até a
maledicência embalada em palavras doces, não esquecendo as situações em que –
inclusive na sombra da omissão – gozamos silenciosamente nossa cota de prazer
com o mal em jogo. Apesar do silêncio, a forma-pensamento nos delataria aos
olhos de um clarividente, eventualmente descarregando sua carga negativa sobre
nós próprios, seus criadores.
Por essa razão, na busca da purificação mental está
a grande chave para a mudança. Segundo Mehta, "Somente os puros veem a
pureza"[3].
Diante da impureza já existente em nosso campo
mental, o trabalho de purificação é uma imposição da vontade espiritual já desenvolvida em nós, resumindo nosso grau de
consciência neste momento. Por meio dela nos autodeterminamos a busca das melhores energias – e, portanto, dos
melhores pensamentos – substituindo as que hoje caracterizam nosso
comportamento dentro do jogo da dualidade, da reatividade. Sem essa
autodeterminação não há como escapar à atração magnética do passado.
Quando julgamos alguém, o que fazemos? Ressaltamos
seu lado pior (que pode até nem existir, como projeção nossa), por meio de nosso lado pior. Caso contrário,
ressaltaríamos seu "lado positivo", porque seria esse que estaríamos
enxergando (vemos conforme as cores de nossa mente). Pensar mal de alguém –
ainda que em silêncio – é energia que nos limita e também limita o outro,
agregando em nossas naturezas formas-pensamento de intriga e hostilidade, que
se realimentam sempre.
A partir disso, buscar ver o lado melhor do outro
(em essência, somos luz) é sem dúvida o caminho mais verdadeiro e mais
inteligente, pois reforça seu aspecto positivo por ressonância com nosso pensamento e ainda
substitui, em nosso campo mental, a energia aprisionante da maledicência pela
energia do bem, da compaixão, do Amor.
Procurar ver o "lado bom" do outro,
reforçando essa qualidade nele, é uma forma extraordinária de fazer o bem, pois
funciona sem oposição alguma, podendo ser acionada a qualquer hora e de
qualquer lugar do planeta. Vemos por aí de que maneira o conflito dos
relacionamentos (quase inevitável porque neste mundo somos egos operando com
egos) pode gerar os estados de transcendência.
Convém ressaltar que as energias são neutras: nem
boas, nem más. Além disso, no plano da Unidade – ou do Espírito – apesar de
ainda existir matéria, a dualidade não mais predomina. Nossa opção pela
“energia do bem” neste momento significa apenas a neutralização daquilo que de
impuro existe em nós – obscurecendo a energia do Amor, que é nossa natureza
divina, original. Retirada essa impureza, a Luz certamente prevalecerá.