Walter S. Barbosa[1]
De que maneira a reatividade interfere no processo da aceitação e em nossa possibilidade real de agir no dia a dia?
Diz o sábio Patanjali, na versão dos Yogassutras comentada por Mehta[2]: “Yoga é a dissolução de todos os centros de reação da mente”. Ou seja, a missão do Yoga termina – levando o homem à condição de sábio, de um ser iluminado – quando os centros de reatividade se extinguem! Com isso também chega ao fim nossa jornada no reino humano.
Diz o sábio Patanjali, na versão dos Yogassutras comentada por Mehta[2]: “Yoga é a dissolução de todos os centros de reação da mente”. Ou seja, a missão do Yoga termina – levando o homem à condição de sábio, de um ser iluminado – quando os centros de reatividade se extinguem! Com isso também chega ao fim nossa jornada no reino humano.
O problema da reatividade
é tão arraigado em nossa natureza que se confunde com o próprio pensamento.
Conforme diz Mehta: “Quando dizemos que estamos pensando, na verdade estamos
envolvidos em um processo de reação”. Isso se explica porque “Com o passar do
tempo, esses centros de reação tornam-se mais e mais fortes. Forma-se dentro da
mente uma cadeia de reações. Essas tendências reativas tornam-se nossos
hábitos”. Isso dá origem ao “pensamento-hábito”, não permitindo uma atuação
renovada nas situações do dia a dia.
Então, como podemos agir
de fato – e não apenas reagir – se tudo que fazemos está contaminado pela
natureza reativa dos pensamentos? Podemos agir sem pensar? Como a aceitação se
relaciona com isso?
Agir sem pensar é algo
extraordinário que acontece quando estamos no Agora. Todos nós podemos ter vivido essa condição em algum momento de nossas vidas, quando
o pensamento deixa de atuar, ofuscado pela necessidade da atenção plena – como nas situações de risco do alpinista – ou do estado de sentimento absoluto, como o vivenciado pelo amor-paixão. Qual
é a principal característica desse momento? A entrega. Nos estágios mais elevados, essa entrega é o estado do coração puro, onde as flutuações da mente – impulsionadas pelo desejo – não predominam mais, permitindo assim nossa conexão com aquilo que é Eterno, igualmente puro.
A entrega só pode existir
se houver aceitação. No amor-paixão aceitamos a outra pessoa como ela é (seus
defeitos, então, podem ser até virtudes), pelo que essa experiência representa
para nós naquele momento. O contrário da aceitação é a resistência. É lógico
que, se resistirmos a uma pessoa, jamais nos entregaremos a ela.
Segundo Pierrakos[3],
a aceitação tem uma natureza feminina, enquanto a ação é própria do aspecto
masculino. Isso não quer dizer que somente a mulher aceita ou apenas o homem
age. Significa apenas que ao manifestar esses comportamentos – de ação ou
aceitação – é um daqueles polos que está atuando naquele momento, sabendo-se de
antemão que temos os dois dentro de nós. Em termos dessa polarização, podemos
dizer também que a mulher está mais aberta à possibilidade de aceitar, enquanto
a resistência é bem característica do homem, egoicamente mais centrado.
Num sentido geral, para
saber o que é resistência basta perguntar se estamos satisfeitos com nossa
situação atual – que representa, sem dúvida, um fato – envolvendo emprego, relacionamentos, propriedades. “Mas
aceitar esse fato, se não me traz felicidade, é conformismo”, alguém poderá
argumentar. E ainda: “Será que uma pessoa conformada progride, ou sua tendência
é acabar na miséria?”
Diz-se que as posses do
filósofo Sócrates eram quase nada e ele não era miserável de modo algum. O que
é o estado de miséria ou de infelicidade? Se dispor de muito dinheiro
representa felicidade, por que muitos se suicidam – até por meio das drogas –
nadando em rios de dinheiro? Imaginamos que talvez se sentissem muito
miseráveis. O acúmulo de propriedades – sem o mínimo de sabedoria – acaba nos intoxicando,
nos isolando do resto do mundo.
Quase não necessitamos de
argumentos para admitir que a infelicidade – ou a felicidade – é antes de tudo
um estado interior. Nesse interior reside também nossa possibilidade de aceitar,
abrindo o coração a caminhos novos. Ao contrário, permanecendo na periferia, o
que continuaremos fazendo é resistir, nos tornando cegos para possibilidades
alternativas. Essa é claramente uma cegueira mental.
Coração é a palavra-chave
para a aceitação. Quando falamos em coração falamos também em sentimento, em
compreensão, em intuição. Como esse “coração” se distingue do fanatismo – na
dedicação extrema a uma causa – ou do amor-paixão, na dedicação a uma pessoa?
Tudo isso por acaso não é sentimento? Sentir sem pensar não seria exatamente a
causa de muito desatino? Como isso difere do não-pensar, que é a natureza do
estar no Agora?
O não pensar do Agora é
um estado de Presença, de totalidade, como assinala Tolle[4].
Nada se pode acrescentar a ele nem tirar dele, porque não é um processo de
escolha, de pensamento. Isto só é possível pelas artes do coração (não se trata
do órgão físico) que, segundo Maharshi[5],
é o ponto da consciência no ser humano.
Evidentemente, fanatismo
e amor-paixão nada têm a ver com totalidade. Ao contrário – centrados na
adoração de seu objeto – representam exclusão de tudo mais. Em ambos os casos
há sentimento e pode haver entrega, mas ela está baseada em “motivo”, em
expectativa de recompensa. Então, é uma entrega voltada para os propósitos do
ego.
O sentimento de fato tem
gradações, de acordo com seu grau de pureza. Na escala em que se mistura aos
pensamentos, o sentimento depende deles para se expressar e o resultado é
necessariamente impuro, baseado em reatividade. Quando o indivíduo diz “não
pensei” para justificar um desatino, ele de fato pensou – mas sob o impulso do
sentimento mais baixo, onde predomina a grosseria, a irracionalidade.
Lembramos que o
pensamento é veículo de manifestação do ego. Isso não quer dizer que ele seja
mau. Como fruto da mente, sua natureza é movimento, e movimento é vida. No mundo
do ego, porém, esse movimento está impregnado de apegos, de memória
psicológica, e isso gera estagnação, aprisionamento de energias. Liberado dessa
cadeia – pela purificação da mente – o pensamento deixa de ter as “flutuações”
que o caracterizam, abrindo caminho à plenitude da consciência. Esse é o
objetivo do Yoga.
Em virtude da impregnação
de apegos, o pensamento é fonte de reatividade, de medo, e, portanto, é um
empecilho à entrega. Entretanto, é óbvio que não podemos dizer, de repente,
“Vou parar de pensar, a fim de realizar a entrega”. Antes disso vem o trabalho
junto aos apegos, junto às impregnações da mente. Só depois que esse vazio é iniciado,
liberando nossos pés, podemos dar o salto da entrega. Esse é um salto sem rede
de proteção, e por isso gera medo. Em razão disso, é para poucos.
A dificuldade na entrega
é também dificuldade na aceitação. Alguém pode perguntar: “O que vem antes, a
aceitação ou a entrega?” Podemos indagar de volta: “Aceito porque entrego, ou
entrego porque aceito?”. Examinaremos isso na continuidade deste tema.
[1]
Membro da Sociedade Teosófica e Diretor da Associação Educacional Besant
(UNICONSPORTAL).
[2]
MEHTA, Rohit. “Yoga, a Arte da Integração”, Editora Teosófica, Brasília-DF.
[3]
PIERRAKOS, Eva. “Criando União”, Editora
[4]
TOLLE, Eckhart. “O Poder do Agora”, Editora Sextante, São Paulo-SP.
[5]
MAHARSHI, Ramana.
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