quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Peça ao Eterno somente aquilo que é eterno



Walter S. Barbosa[1]
O que significa pedir?  Pode ser que sejamos grandes “pidões” ou, pelo contrário, que manifestemos até desprezo por esse ato. No primeiro caso pode ser uma dependência viciosa. No segundo, pode significar orgulho, uma autossuficiência que de fato não possuímos. Entre essas duas naturezas está a daquele que finalmente se desiludiu da prepotência do ego, submetendo-se ao Eterno em busca de transcendência.

Em geral, quando não sabemos pedir também não sabemos agradecer, achando que tudo nos chega às mãos porque merecemos, compramos, pagamos. É uma visão utilitarista da vida, fazendo inclusive das pessoas um objeto de transação. Só está nesse jogo, porém, aquele que age de forma igual, comprando ou se deixando vender sob o fascínio do lucro.

“Pedi e recebereis” diz o Cristo. Mas também: “Meu reino não é deste mundo”. Como ligar as duas frases? Naturalmente, pela natureza daquele que as proferiu, representando um poder que está acima do mundo, mas também se desenvolve nele: o poder do Amor.

Segundo a filosofia esotérica, uma das funções do mundo é opor resistência ao ser humano – obstáculos físicos e psicológicos – para o “des-envolvimento” da vontade espiritual dentro dele. Ao nascer, é o mais fraco e indefeso dos bebês. Desde cedo é informado sobre os perigos do mundo, enfrentando a inveja e competitividade de seus pares. Assim, surge nele um medo natural, cristalizando em sua mente o egoísmo e a desconfiança que o separam dos outros, sufocando a expressão do amor. Daí em diante, quais as chances para esse amor?

O ato de pedir mencionado pelo Cristo parece subverter a ordem natural do mundo: “Pedi e recebereis”. O mistério por trás disso pode decorrer de condições só encontradas em um devoto, tais como: a intensidade do “amor a Deus” – gerando sua entrega irrestrita a um poder maior – e a presença do contentamento, reduzindo nele as demandas que a ambição caracteriza. Isso é bem patente na experiência dos místicos. A vontade que se manifesta então é a “vontade de Deus”, sendo que tais condições obviamente não se encontram no devoto imaturo, cuja ambição por Deus em nada difere da ambição terrena.

Como se pode amar e ainda confiar naquilo que é invisível? Como pode esse amor retornar em bênçãos, atuando sobre as coisas visíveis, transformando a resistência do mundo em oportunidades que surgem para o devoto espontaneamente, sob a mão da sincronicidade?

Mehta[2] se refere a esse tipo de amor – gerando a diluição do ego – como “submissão ao desconhecido”. Contudo, quem se entrega parece intuir que tal poder domina também o conhecido. O amor na verdade liga os dois mundos, submetendo o conhecido ao desconhecido! Por isso as pessoas devocionais seguem mais rápido na Senda, irmanando-se com outros de mesma índole. Como assinala Maharshi, colocaram o peso de sua mala no bagageiro do trem (Deus), e o deixam carregar esse peso, que para Ele nada significa.

Já para os não devotos, para as pessoas mentais, as chances do amor são mais lentas, na base do conta-gotas. Carregam nas costas o peso de sua bagagem, não o largando mesmo na intimidade da vida a dois. Passam tudo pelo crivo da mente onde o medo predomina, bloqueando qualquer ajuda entre seus pares, que desconfiam uns dos outros. Dificilmente pedirão algo a Deus, que para eles é apenas um conceito. Ou se pedirem – não custa arriscar – no máximo será “mais saúde e mais dinheiro”. Até quando isso perdurará?

“Em todo coração humano existe uma natural melodia, uma obscura fonte” diz Collins[3]. “Pode estar coberta, oculta e silenciosa por completo; porém, ela ali está. Na base mesma da tua natureza encontrarás a fé, a esperança e o amor”.

Apoiada em sua própria vivência, Williamson[4] por sua vez relata o fim desse isolamento mental ao atingir-se o desespero das indagações sem respostas: a mente não as possui. Então, abrindo mão do controle o buscador se entrega, pede ao Eterno que tome conta de seu destino. Seu pedido ecoa pelos céus, com força extraordinária, ansiando apenas por aquilo que é eterno.

Tendo por longo tempo vivido o afeto interesseiro rastejando pelos labirintos mentais –, o buscador agora sente que seu coração se abre, projetando flashes de luz naqueles labirintos (onde a mente não pode andar, o coração voa). Guiado por essas luzes, pode ser que o buscador, como tantos que vieram antes dele, queira se dedicar doravante ao Serviço, procurando delinear para outros as armadilhas, mas também os suaves contornos desses caminhos...


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência, www.uniconsportal.org.br.
[2] MEHTA, Rohit. “Procura o Caminho”, Serviço de Divulgação do Livro Teosófico.
[3] COLLINS, Mabel. “Luz no Caminho”, Editora Pensamento.
[4] WILLIAMSON, Marianne. “Um retorno ao Amor”, Editora Novo Paradigma.

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