Walter S. Barbosa[1]
Em geral, consideramos bem
aquilo que nos atrai como fonte de prazer, enquanto mal é o que nos causa dor,
estando aí contemplados, naturalmente, os ganhos e perdas de qualquer tipo. Na
natureza humana, o prazer e a dor estão ligados ao jogo de atração e repulsão.
Por sinal, esse jogo é responsável pela sustentação da vida no universo, desde
a intimidade do átomo até o equilíbrio nos sistemas planetários e estelares. Psicologicamente,
contudo, ele acaba se transformando em grilhão para o ser humano – algo a ser
compreendido e transcendido.
A partir do masculino e
do feminino (também presentes em toda a manifestação), os opostos dependem um
do outro para sua existência. Com relação ao prazer, apegados a ele,
automaticamente repelimos seu contrário que, contudo, é atraído à nossa vida como
no vai e vem de um pêndulo. Por esse motivo, como ensina a filosofia esotérica,
o prazer e a dor andam de mãos dadas. Uma coisa não existe sem a outra.
Ficamos então impedidos
de sentir prazer nas coisas agradáveis que o mundo nos oferece, caso queiramos
suplantar o fatalismo da dor? Será que os homens santos ou sábios são
insensíveis a qualquer espécie de prazer? Pelo que temos aprendido a respeito
desses homens extraordinários, o que os diferencia de nós não é a
insensibilidade às situações agradáveis da vida – em concordância com o que é
“bom, bem e belo” –, mas sim a indiferença à necessidade de repeti-las, de
correr atrás delas. Ou seja, o que os distingue é a ausência de atração e
repulsão, o que pode se traduzir numa só palavra: desapego.
Ser desapegado é estar
livre da identificação com as coisas do mundo, sejam agradáveis ou
desagradáveis. É estar livre do “eu” mental onde a memória dessas coisas fica
grudada em núcleos de energia chamados “formas-pensamento”. Em essência, homem
desapegado é aquele que está livre do ego: único elemento de escravidão, em
qualquer circunstância. Daí se depreende que a liberdade – como oposto da
escravidão – é apenas outro conceito mental. De fato, ninguém pode nos
escravizar ou libertar. Somos escravos ou livres apenas dentro de nós mesmos.
No entanto, matamos e
morremos por conceitos mentais como esse – liberdade e escravidão – porque não
conhecemos outra maneira de existir além do corpo físico (que pode,
efetivamente, ser aprisionado). Ao nos identificamos com esse corpo,
materializamos como verdadeiros todos
os conceitos mentais criados em torno dele, como expressão física subordinada
ao ego, em nosso atual estado evolutivo.
Para o sábio Ramana
Maharshi, contudo, o que vem a ser o ego? Nada mais que o “falso eu” nascido a partir de
nossas primeiras noções de posse na infância, herdando a cultura de nossos pais.
Apesar de falso, em torno dele é que se faz o jogo de atração e repulsão, sendo
ele também o que goza e o que sofre – estando a mente concreta habitada por ele
– com base nos milhares de conceitos mentais com que crucificamos nós mesmos e
o mundo.
Então, sendo o ego aquele
que goza, estaria condenado a não mais sentir prazer todo aquele que vier a “matá-lo”,
atendendo, por sinal, ao que aconselha Maharshi? Deve acontecer exatamente o
oposto.
Os sentidos do homem sábio
encontram-se desatrelados da mente[2]
– então purificada –, podendo esta cumprir seu papel em favor da percepção
plena, sem os rótulos ali produzidos (apesar de continuar como intermediária no
processo). A partir daí, a percepção dos sentidos passa a captar a realidade
das coisas, e o prazer que se puder sentir por meio dessa realidade há de ser mais
intenso (inclusive por estar livre do medo da perda, tão comum a nós mortais).
O que haverá, contudo,
para além dos limites desse prazer desapegado, na realidade das almas puras?
Não mais funcionando, então, como fator determinante para nosso retorno ao mundo
físico, estaremos livres da “Roda de Samsara”. Mas o que restará além? Isso é
algo a ser examinado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário