Walter S. Barbosa[1]
A propósito do recente acontecimento na Índia – repetindo atrocidades que
acontecem todos os dias, longe de nossos olhos e, portanto, do nosso coração –
lembro a imagem que me veio à cabeça naquele acontecimento: indivíduos
profundamente mergulhados no lodo viscoso da maldade, sem conseguir enxergar o
mal que estão praticando.
Quando são presas e colocadas diante da indignação social, tais pessoas às
vezes parecem vislumbrar esse mal – envergonhando-se, escondendo o rosto –, em
outros casos, contudo, permanecem geladas, indiferentes. Sabendo que Deus tem
sua morada em cada criatura, como enxergar essa luz dentro de tais pessoas? Coisa
difícil para nós, envolvidos em nossas próprias sombras e conflitos. O máximo
que conseguimos é nos indignar. Mais do que isso talvez só seja possível a um
coração genuinamente compassivo, com capacidade para ver além das aparências.
Um coração compassivo, imagino, deve ser sensível a toda miséria: não apenas
aquela que o agressor produziu (ou instrumentou), mas também a miséria dentro
do próprio agressor, desejando compreendê-la e fazer algo para torná-la menos
presente no mundo. Por sinal, o que fazemos nós quanto à criança que passa
fome, ao doente sem assistência, aos drogados da "cracolândia", ao
idoso abandonado nas ruas, às pessoas que morrem nas noites de frio enquanto
nos aconchegamos em nossos cobertores?
Diante de tanta miséria achamos que nada podemos fazer, nos sentimos
impotentes e essa parece uma boa razão para justificar nossa indiferença (o ego
sempre encontra boas razões para se isolar em seu conforto). Lembro-me de uma
frase vista na Internet: “Você é culpado por todo bem que não faz”, na gravura
de um mendigo ao lado de um cachorrinho. Parece que faz sentido: somos
responsáveis não somente pelo mal que fazemos, mas ainda pelo bem que deixamos
de fazer!
Milhares de pessoas se comoveram com o caso da moça indiana, fazendo a
Índia despertar para um problema antigo, sempre tolerado pelas autoridades. Por
que não viam antes? O mal sempre esteve e – por milhares de anos –
provavelmente estará acompanhando nossa jornada terrena. Dentro de diversos
níveis, somos todos parcialmente
inconscientes desse mal e, portanto, colaboramos com ele. Mas no
limite da consciência que nos toca, creio que cada um de nós pode fazer alguma
coisa a respeito. Qualquer coisa.
Buda diz: “Não fazer o mal, fazer o bem e purificar a mente é a lição de
todos aqueles que despertaram”. O fato de alguns de nós já não estarem mais
praticando o mal (às vezes um “escorrega”, involuntariamente) é uma grande
coisa. Significa um pouco daquela luz divina já presente. Mas precisamos passar
adiante, fazer algo de bom, ir além de apedrejar o mal.
Se conseguirmos passar da reação indignada à ação construtiva, tendo por
base o coração, provavelmente nossa raiva contra o mal se torne menor (ele não
deve ser rejeitado e sim compreendido), não mais carregando aquela parte que
significa raiva da nossa própria omissão ou indiferença. Com isso, é possível
também que consigamos ver a luzinha sufocada no meio das "trevas" do
coração do outro. Quem sabe? A esse respeito, só me resta uma certeza: a
compaixão é o único caminho...
[1]
Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência –
www.uniconsportal.org.br
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