Walter S. Barbosa[1]
“Tendo em conta a
população do mundo, sereis poucos em número, porém a força e o poder
espirituais não se medem por números: medem-se, antes, pela ardente sinceridade”[2].
Recortada de um trecho mais longo, a
frase é do Mestre M., um dos fundadores da Sociedade Teosófica nos planos
sutis.
O significado dessa frase,
para nós, é colocar em evidência a capacidade de penetração
dos pensamentos e sentimentos mais elevados, em relação aos planos mais densos,
podendo assim agir de maneira direta na natureza oculta do homem, ultrapassando
os bloqueios criados pela mente concreta, pelas limitações do ego. Trata-se,
então, de uma informação extraordinária para todos aqueles que desejam
colaborar com o “plano de Deus para os homens”, cuja natureza é de inclusividade total, abrangendo todos os
reinos de vida, mesmo porque Deus é a única realidade vivente em Sua própria
criação.
A “ardente
sinceridade”, na mesma frase, diz respeito à intensidade da força – em termos de
entusiasmo, vontade, persistência – que deve estar por trás desses pensamentos
e sentimentos, tornando-os mais efetivos em seus resultados. A partir daí, deduz-se
facilmente a supremacia do bem sobre o mal, traduzindo-se numa certeza absoluta
de que todo desequilíbrio à nossa volta – envolvendo crimes, injustiças,
desigualdades sociais etc. – é tão somente uma realidade fugaz do mundo que nos
cerca, sob regulação precisa da Lei do Carma ou da Harmonia Universal.
Pode-se, contudo,
argumentar: “Sendo o bem e o mal necessários à existência do Universo, como podemos
compreender essa supremacia? O pêndulo sempre tende ao equilíbrio na natureza”[3].
Esse equilíbrio, de fato, é um dos ensinamentos mais profundos da filosofia
esotérica, contrapondo-se ao entendimento comum a respeito do mal, conforme
enfatizado nas religiões. Estas induzem seus devotos a rejeitar o mal, criando
assim um conflito dentro da psique humana.
Sinteticamente, o mal é fruto de nossa condição
egóica nos planos mais densos – onde se apoia na mente concreta –, tendo a
natureza da separatividade. Ele surge, simbolicamente, na “expulsão do Paraíso”,
justamente quando aquela mente indagadora, voltada para o aspecto material da
vida, é acrescida à evolução humana, propiciando-lhe o “conhecimento do bem e
do mal”, distanciando-se ao mesmo tempo do convívio com o lado espiritual (Deus
no Paraíso). Esse conhecimento, considerado negativo nas religiões, é tão
somente o conhecimento e domínio da matéria, que o “Filho Pródigo” veio buscar,
a fim de depositá-lo aos pés do Pai.
O conflito entre o bem e o mal exprime, portanto, a
relação do espírito com a matéria, que é a base de toda existência, funcionando
como matriz do Universo. Onde o espírito (ou consciência) estiver presente, aí se
encontra também a matéria (ou energia). Um aspecto não pode existir sem o
outro, até porque a matéria é que fornece o corpo necessário à expressão
individualizada do espírito (a “centelha de Deus” que cada um de nós
representa). A partir dessa polaridade original, todos os jogos de opostos têm
a mesma dependência mútua. Sem o alto não existe o baixo, sem o quente não existe
o frio e, portanto, sem o mal não existe o bem. Conclusão: se o mal fosse
retirado do Universo, este imediatamente deixaria de existir.
Em vista
disso, como – e por que – se pode falar em “supremacia do bem”? Inerente ao
verdadeiro bem, tal supremacia decorre do poder de aceitação que o bem encerra, compreendendo o mal em suas raízes e transformando-o
a partir daí, em lugar de simplesmente rejeitá-lo. A rejeição gera oposição,
exacerba o mal. “Nenhuma energia pode ser eliminada” diz Helena Blavatsky[4]. Esse
é um parâmetro útil para nossas reflexões quanto à extensão do bem que porventura
desejarmos realizar no mundo.
Em
síntese, tal supremacia reside no poder do bem de penetrar todas as zonas
obscuras de nossa natureza (por se plasmar em matéria mais sutil), realizando
as transformações na base dessa mesma natureza. Daí podermos dizer também que a
supremacia do bem reside na supremacia do
amor, abrangendo todos os reinos de vida e transformando o Universo na
experiência que se desenvolve dentro deles. Essa transformação é maior, porém,
na experiência de cada ser humano (onde a “trindade” já se manifesta como Pai).
Porém, o
que ocorre no interior de cada homem, na medida em que a dualidade
espírito-matéria – pela qual Deus "conhece a si mesmo", como num
espelho – é vencida dentro dele pela prática da aceitação, da compaixão e do
amor, na convivência com outras pessoas? O efeito é a “espiritualização” da matéria
nesse homem, é o retorno à unidade, indicando de maneira clara um caminho inverso à Manifestação. Daí em diante, o
pêndulo da dualidade, deixando de ser impulsionado por seus mecanismos mentais,
irá perdendo força dentro dele, fazendo viagens cada vez mais curtas, tendendo
ao centro, ao equilíbrio.
Nesse
refluxo, lentamente se fundem outra vez o espírito e a matéria na natureza
oculta do homem, o que é essencialmente o objetivo das religiões (daí o termo “religare”). Essa fusão naturalmente elimina
o mal como entidade separada (mesmo porque fictícia), cujo assento se encontra apenas no ego humano. Mas em tal
processo, aquilo que entendemos como bem,
na condição de algo polarizado, também se desvanecerá.
Dentro desse
homem, então, o universo que ora conhecemos como caótico, conflitante – apesar
de perfeito na natureza (onde a dualidade está em equilíbrio) – aos poucos
deixará de existir. É o “retorno do Filho Pródigo à Casa Paterna”. A essa
altura, tanto o mal como o bem, segundo nossa concepção, não mais serão necessários – e nem possíveis
(daí a ausência de julgamento ou condenação em um homem santo) – sob o poder
miraculoso e onipenetrante da cola universal do amor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário