domingo, 30 de dezembro de 2012

Amor: o onipenetrante poder do Bem


Walter S. Barbosa[1]
“Tendo em conta a população do mundo, sereis poucos em número, porém a força e o poder espirituais não se medem por números: medem-se, antes, pela ardente sinceridade”[2].  Recortada de um trecho mais longo, a frase é do Mestre M., um dos fundadores da Sociedade Teosófica nos planos sutis.

O significado dessa frase, para nós, é colocar em evidência a capacidade de penetração dos pensamentos e sentimentos mais elevados, em relação aos planos mais densos, podendo assim agir de maneira direta na natureza oculta do homem, ultrapassando os bloqueios criados pela mente concreta, pelas limitações do ego. Trata-se, então, de uma informação extraordinária para todos aqueles que desejam colaborar com o “plano de Deus para os homens”, cuja natureza é de inclusividade total, abrangendo todos os reinos de vida, mesmo porque Deus é a única realidade vivente em Sua própria criação.

A “ardente sinceridade”, na mesma frase, diz respeito à intensidade da força – em termos de entusiasmo, vontade, persistência – que deve estar por trás desses pensamentos e sentimentos, tornando-os mais efetivos em seus resultados. A partir daí, deduz-se facilmente a supremacia do bem sobre o mal, traduzindo-se numa certeza absoluta de que todo desequilíbrio à nossa volta – envolvendo crimes, injustiças, desigualdades sociais etc. – é tão somente uma realidade fugaz do mundo que nos cerca, sob regulação precisa da Lei do Carma ou da Harmonia Universal.

Pode-se, contudo, argumentar: “Sendo o bem e o mal necessários à existência do Universo, como podemos compreender essa supremacia? O pêndulo sempre tende ao equilíbrio na natureza”[3]. Esse equilíbrio, de fato, é um dos ensinamentos mais profundos da filosofia esotérica, contrapondo-se ao entendimento comum a respeito do mal, conforme enfatizado nas religiões. Estas induzem seus devotos a rejeitar o mal, criando assim um conflito dentro da psique humana.

Sinteticamente, o mal é fruto de nossa condição egóica nos planos mais densos – onde se apoia na mente concreta –, tendo a natureza da separatividade. Ele surge, simbolicamente, na “expulsão do Paraíso”, justamente quando aquela mente indagadora, voltada para o aspecto material da vida, é acrescida à evolução humana, propiciando-lhe o “conhecimento do bem e do mal”, distanciando-se ao mesmo tempo do convívio com o lado espiritual (Deus no Paraíso). Esse conhecimento, considerado negativo nas religiões, é tão somente o conhecimento e domínio da matéria, que o “Filho Pródigo” veio buscar, a fim de depositá-lo aos pés do Pai.

O conflito entre o bem e o mal exprime, portanto, a relação do espírito com a matéria, que é a base de toda existência, funcionando como matriz do Universo. Onde o espírito (ou consciência) estiver presente, aí se encontra também a matéria (ou energia). Um aspecto não pode existir sem o outro, até porque a matéria é que fornece o corpo necessário à expressão individualizada do espírito (a “centelha de Deus” que cada um de nós representa). A partir dessa polaridade original, todos os jogos de opostos têm a mesma dependência mútua. Sem o alto não existe o baixo, sem o quente não existe o frio e, portanto, sem o mal não existe o bem. Conclusão: se o mal fosse retirado do Universo, este imediatamente deixaria de existir.

Em vista disso, como – e por que – se pode falar em “supremacia do bem”? Inerente ao verdadeiro bem, tal supremacia decorre do poder de aceitação que o bem encerra, compreendendo o mal em suas raízes e transformando-o a partir daí, em lugar de simplesmente rejeitá-lo. A rejeição gera oposição, exacerba o mal. “Nenhuma energia pode ser eliminada” diz Helena Blavatsky[4]. Esse é um parâmetro útil para nossas reflexões quanto à extensão do bem que porventura desejarmos realizar no mundo.

Em síntese, tal supremacia reside no poder do bem de penetrar todas as zonas obscuras de nossa natureza (por se plasmar em matéria mais sutil), realizando as transformações na base dessa mesma natureza. Daí podermos dizer também que a supremacia do bem reside na supremacia do amor, abrangendo todos os reinos de vida e transformando o Universo na experiência que se desenvolve dentro deles. Essa transformação é maior, porém, na experiência de cada ser humano (onde a “trindade” já se manifesta como Pai).

Porém, o que ocorre no interior de cada homem, na medida em que a dualidade espírito-matéria – pela qual Deus "conhece a si mesmo", como num espelho – é vencida dentro dele pela prática da aceitação, da compaixão e do amor, na convivência com outras pessoas? O efeito é a “espiritualização” da matéria nesse homem, é o retorno à unidade, indicando de maneira clara um caminho inverso à Manifestação. Daí em diante, o pêndulo da dualidade, deixando de ser impulsionado por seus mecanismos mentais, irá perdendo força dentro dele, fazendo viagens cada vez mais curtas, tendendo ao centro, ao equilíbrio.  

Nesse refluxo, lentamente se fundem outra vez o espírito e a matéria na natureza oculta do homem, o que é essencialmente o objetivo das religiões (daí o termo “religare”). Essa fusão naturalmente elimina o mal como entidade separada (mesmo porque fictícia), cujo assento se encontra apenas no ego humano. Mas em tal processo, aquilo que entendemos como bem, na condição de algo polarizado, também se desvanecerá.

Dentro desse homem, então, o universo que ora conhecemos como caótico, conflitante – apesar de perfeito na natureza (onde a dualidade está em equilíbrio) – aos poucos deixará de existir. É o “retorno do Filho Pródigo à Casa Paterna”. A essa altura, tanto o mal como o bem, segundo nossa concepção, não mais serão necessários – e nem possíveis (daí a ausência de julgamento ou condenação em um homem santo) – sob o poder miraculoso e onipenetrante da cola universal do amor.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
[2] Contribuição postada por Heitor da Cruz em mensagens trocadas no Facebook, página Uniconsportal.
[3] Idem.
[4] BLAVATSKY, Helena. “A Doutrina Secreta”, Editora Pensamento.

Nenhum comentário: