quinta-feira, 26 de abril de 2012

Por que não vemos o “lado bom” do outro?

Walter S. Barbosa[1]

A natureza humana é dual. A maior evidência disso está na relação  entre o masculino e o feminino, responsável pela geração de corpos físicos destinados a abrigar e expandir consciências, no mundo dos relacionamentos. Tais relacionamentos, por sua vez, são vivenciados sob o jugo de outra dualidade: o prazer e a dor, causando muitos conflitos. Isso ocorre especialmente quando – predominando em nós o egoísmo – o outro se torna "mau" pelo limite que impõe à insaciedade do nosso prazer (que de muitas formas se manifesta, sabendo-se que sempre quem goza é a mente).

Por sua vez, no nível atômico, a natureza polarizada dos prótons e elétrons origina relações eletromagnéticas que levam à formação de elementos e substâncias, sustentando o aspecto material de todo corpo. De diferentes maneiras isso deve acontecer em todos os planos da manifestação – seguindo a máxima de Hermes Trismegistro "Assim como é em cima, é embaixo" – pois todos são atômicos, materiais, com diferentes graus de densidade. Atuando no plano mental essa realidade nos escraviza, mas também nos liberta.

Contrapondo-se à dualidade como aspecto governante da forma, encontra-se o Princípio da Unidade inerente à Consciência ou Espírito por trás da forma. Corporificado em Deus como origem de tudo, esse princípio pode ser resumido na palavra Amor, que é Sua manifestação. O Amor é a “cola” universal. Por meio dele manifestamos Deus em tudo que fazemos. E quanto mais o fazemos, menos a dualidade age destrutivamente nas relações, perdendo seu principal impulso – a reatividade (tentáculo do passado no presente).

Desde a estrutura do átomo, não há corpo sem consciência e nem consciência sem corpo, variando numa escala infinita o tamanho ou grandeza dessas consciências. Nossas classificações das pessoas em boas ou más – incluindo qualquer ponto nesse intervalo – estão refletindo essa variação. Incidindo na questão do julgamento,  tais classificações, por sua vez, dependem do grau de nossas próprias consciências.

Em virtude das relações eletromagnéticas inerentes ao átomo, a criação da forma no mundo mental é instantânea, conforme a natureza da energia manipulada pela consciência a partir dos pensamentos. Como entidades autoconscientes – mas ainda ignorantes de nossos poderes – fazemos essa manipulação automaticamente, criando formas mentais contra os outros e até contra nós mesmos. Toda criação surge primeiro no plano mental, para depois se tornar física. Somos co-criadores do Universo.

Conforme o grau de nossas consciências, se revela o grau de nossos julgamentos em relação às pessoas. O que está determinando esse grau? Naturalmente, a dualidade, pois a consciência daquele que julga é permeada pela forma que a contém. Conforme a qualidade do corpo, em termos de energia, é a qualidade do pensamento, do sentimento e, consequentemente, da ação. Essa qualidade é tanto menor quanto maior a dualidade que nos distancia do centro, da realidade dos fatos – daquilo que "é" – gerando fantasias, preconceitos, medo, reatividade e outras distorções.

Quanto mais purificado nosso corpo (exaltando satva, a qualidade da harmonia na matéria), menos tendencioso e reativo é o julgamento, conseguindo sobrepor à nossa visão negativa aquilo que o outro tem de bom, até o ponto em que o julgamento se dissolve na pura compassividade. A vida dos homens santos é um exemplo disso, estando seu corpo e consciência unificados numa pura manifestação de amor. Como iniciar esse processo, diminuindo o hábito dos julgamentos – que anda de mãos dadas com a reatividade – trazendo harmonia às relações?

“Deixar de fazer o mal, fazer o bem e purificar a mente: essa é a lição de todos aqueles que despertaram”, ensina Gautama Buda. No extremo da dualidade, o egoísmo e a maldade predominam. Nessa situação, buscamos prazer unicamente para nós, sem nos importar com a dor que causamos aos outros, na verdade sentindo prazer com essa dor. O mundo mental provavelmente está cheio de formas-pensamento com essa finalidade.

Momentos assim, de maldade “explícita”, retornam ao nosso dia a dia mesmo depois que passamos ao 2° nível – começando a praticar o bem – incluindo as justificativas com que mascaramos nossos atos. É imensa a variedade desses comportamentos, indo desde os ataques físicos até a maledicência embalada em palavras doces, não esquecendo as situações em que – na sombra da omissão – gozamos silenciosamente nossa cota de prazer com o mal em jogo. Apesar do silêncio, a forma-pensamento nos delatará, eventualmente descarregando sua carga negativa sobre nós próprios, seus criadores.

Por essa razão, na busca da purificação mental está a grande chave para a mudança. Diante da impureza já existente ali – no campo mental – esse trabalho é uma imposição da vontade espiritual já desenvolvida em nós, resumindo a expansão da consciência até este momento. Por meio dela nos autodeterminamos a busca das melhores energias – e, portanto, dos melhores pensamentos – substituindo as que hoje caracterizam nosso comportamento dentro do jogo da dualidade, da reatividade. Sem essa autodeterminação não há como escapar à atração magnética do passado.

Quando julgamos alguém, o que fazemos? Ressaltamos seu lado pior (que pode até nem existir, como projeção nossa), por meio de nosso lado pior. Caso contrário, ressaltaríamos seu "lado positivo", porque seria esse que estaríamos enxergando. Pensar mal de alguém – ainda que em silêncio – é energia que nos limita e também limita o outro, agregando em nossas naturezas formas-pensamento de intriga e hostilidade, que se realimentam sempre.

A partir disso, buscar ver o lado melhor do outro (em essência, somos luz) é sem dúvida o caminho mais verdadeiro e mais inteligente, pois reforça seu lado bom por ressonância (simpatia vibratória) com nosso pensamento e ainda substitui, em nosso campo mental, a energia aprisionante da maledicência pela energia do bem, da compaixão, do Amor.

Convém ressaltar que as energias são neutras: nem boas, nem más. Além disso, no plano da Unidade – ou do Espírito – apesar de ainda existir matéria, a dualidade não mais predomina. Nossa opção pela “energia do bem” neste momento significa apenas a neutralização daquilo que de impuro existe em nós – obscurecendo a energia do Amor – que é nossa natureza divina, original. Retirada essa impureza, a luz prevalecerá.

[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.

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