quinta-feira, 26 de abril de 2012

“Respeito minha natureza prá caramba”


 Walter S. Barbosa[1]
Da boca de qualquer um de nós pode já ter saído a frase acima. Se nesse momento a inspiração tiver brotado do Ser, nossa parte divina, que ótimo! Inteligentemente, estaremos a um passo da redenção.
           
Caso contrário, se “orgulhosamente” estivermos assumindo nossa parte mortal – que temporariamente vai para o lixo quando partimos deste mundo – é uma pena. Invocada das sombras pela força vibracional, ela volta no próximo renascimento e outros mais, até que aprendamos a nos desidentificar dela, purificando-a. Enquanto suja, egoísta, míope, interesseira – caracterizando o ego – ela é a fonte de todos os nossos sofrimentos e vícios.
Relembramos aqui a história do monge e do escorpião.

“Um monge e seus discípulos iam por uma estrada e, quando passavam por uma ponte, viram um escorpião sendo arrastado pelas águas. O monge correu pela margem do rio, meteu-se na água e tomou o bichinho na mão. Quando o trazia para fora do rio o escorpião o picou. Devido à dor, o monge deixou-o cair novamente no rio. Foi então à margem, pegou um ramo de árvore, voltou outra vez a correr pela margem, entrou no rio, resgatou o escorpião e o salvou. Em seguida, juntou-se aos seus discípulos na estrada. Eles haviam assistido à cena e o receberam perplexos e penalizados.

- Mestre, o Senhor deve estar muito doente! Por que foi salvar esse bicho ruim e venenoso? Que se afogasse! Seria um a menos! Veja como ele respondeu à sua ajuda: picou a mão que o salvava! Não merecia sua compaixão!

O monge ouviu tranqüilamente os comentários e respondeu: “Ele agiu conforme sua natureza e eu de acordo com a minha”. Que natureza tem preponderado em nós?

Freqüentemente as pessoas honestas – e, especialmente, as desprendidas – são tomadas como tolas ou muito espertas. O desprendimento é uma coisa incompreensível dentro do senso comum. Só podemos enxergar conforme as lentes dos nossos óculos: se elas estão sujas, enxergamos sujeira em toda parte. Essa fica sendo a “nossa natureza”.

A imagem do escorpião é explorada também em outra história, onde ele contracena com o sapo. Este – como todos sabem, um exímio nadador – estava para atravessar uma lagoa. O escorpião chegou-se a ele e pediu uma carona. Queria atravessar nas costas do sapo. O batráquio coçou o queixo e sabiamente ponderou:

- Ora, escorpião, se eu fizer isso, você vai me picar no meio da lagoa e nós dois morreremos.

- Você acha que sou tolo, meu caro sapo? Eu também gosto da vida – replicou o escorpião. Convencido por argumento tão lógico, o sapo mandou que o escorpião lhe subisse às costas e lá se foram os dois. No meio da água, aconteceu o que previra o sapo: veio a picada do escorpião.

- E agora, escorpião! Lamentou o sapo – Vamos morrer os dois!
- O que posso fazer? – respondeu já se afogando o escorpião. É a minha natureza!

O sofrimento é uma realidade, como ensina o “Óctuplo Caminho” do Senhor Buda. O problema é que gostamos de sofrer e por isso escolhemos a natureza-escorpião que nos habita, ao lado do Espírito – a própria luz. Aquele pobre bichinho não tem escolha. Nós temos.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.

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