Walter S. Barbosa[1]
Quais são nossas necessidades? Olhando
em volta, pontuando cada coisa, tudo parece necessário e pode até estar
faltando algo, se consultarmos a lista dos desejos não satisfeitos. Ela pode
inclusive crescer, a qualquer momento, ante a notícia de um produto novo,
irresistível. “Como eu nunca tinha pensado nisso?”, indagamos surpresos,
admirando o criador naquela nova necessidade. Dessa forma a lista não tem fim,
proporcionalmente à insatisfação que nos consome.
Insatisfação é a fonte dos problemas,
pela mesma razão que o contentamento é a solução, culminando finalmente na paz.
Como alcançar esse estado que o sábio Ramana Maharshi considera ser o objetivo supremo
da existência humana? Conhecemos, por
acaso, seu significado?
A mente é muito hábil em dar nomes. Voltada
para fora, está sempre em busca de rótulo para as coisas, achando, a partir
daí, que já as conhece. Sabemos o que é o amor, já decaído à condição de ato
sexual? Não. Também não sabemos o que é a paz, no máximo tomando-a como aquela
satisfação momentânea que vem após a realização de um desejo, logo dando lugar
a outro.
No célebre texto conhecido como “Escada
de Ouro”, de que nos fala Helena Petrovna Blavatsky, certa passagem diz: “Há
uma paz que ultrapassa o entendimento. Mora no coração daqueles que vivem no eterno”.
O que é o entendimento?
Trata-se de uma importante conquista do
intelecto. Em parte porque satisfaz a ambição de controle inerente ao ego,
sedento de posses. Mas também porque educa nossa percepção pelo raciocínio, fortalecendo
a mente para saltos mais profundos. O intelecto não consegue, entretanto,
empreender a jornada para o eterno. Muito além do raciocínio e das palavras, esse
é um desafio para o espírito, indo ao encontro de si mesmo. Aí não se trata de ter,
mas de Ser.
Paz tem o significado real de
plenitude. E a plenitude, como a verdadeira paz, é algo que decerto ultrapassa
o entendimento. Como podemos ser plenos num corpo cheio de carências? Não
podemos. Atracados na âncora pesada do corpo – como o pássaro que confunde a
gaiola com a própria vida – estamos identificados com ele, impossibilitados de
voar. Daí também o medo da morte, pois esse é o destino inevitável do corpo.
A plenitude, por sua vez, tem ainda o
significado de felicidade, esse dom natural de toda alma. Não conseguindo nos
sentir plenos, não temos paz nem felicidade, pois essas três coisas são uma só,
tendo ainda a conotação do eterno, como ensina Blavatsky. Portanto, não há como
nos enganar pela satisfação momentânea dos sentidos. Comer um doce ou ter
relação íntima nas esquinas não é felicidade. Apenas uma frustrante sensação
fantasiada pela mente.
Uma luz, porém, nos aguarda no fim do
túnel. Para Maharshi já somos todos iluminados, apenas ignorantes do fato, sendo
esse o véu que nos separa da felicidade. Tal informação pode ter libertado
alguém, que já estava “pronto”. Mas, para a grande maioria, continua o enigma, sendo
apenas mais um dado em nosso campo mental entulhado de desejos e necessidades.
Como ir além?
O sábio de novo mostra o caminho
dizendo: “Entregue-se”. Essa também foi a proposta do Cristo ao moço rico que
queria segui-lo, não tendo, porém, a coragem de ir adiante, pois precisava
livrar-se de sua pesada bagagem. Como sugerir a renúncia a quem só acredita na
posse?
Maharshi, que aos 17 anos renunciou
ao mundo – sem entretanto exigir isso de seus discípulos – exemplifica o
processo de maneira diferente com a imagem do trem. Se você o toma, não precisa
mais carregar sua mala nos ombros. Nem a mental, nem a física. Basta colocar no
bagageiro do trem. Deus, o criador de todas as coisas, pode suportar qualquer
peso, diz Maharshi. Confie nele – que está dentro de você mesmo – e deixe que
ele faça a mudança.
Sócrates ensinava que não ter
necessidades é divino. Portanto, quanto menos necessidades tivermos, mais
próximos estamos do divino. A plenitude mora de fato no vazio, talvez
estimulando, porém, nossa ânsia de crescimento e esta vocação para acumular coisas
que passam.
Se, conforme Maharshi, já somos todos
iluminados, onde está a paz? Encontra-se envolta em nossa capa de necessidades
sem fim, amarrando-nos externamente em cada desejo. Resta-nos, assim, “des-envolvê-la”,
voltar a mente para dentro, despertando ao mesmo tempo a vocação para o eterno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário