quinta-feira, 26 de abril de 2012

Sócrates: “Não ter necessidades é divino”


Walter S. Barbosa[1]
Quais são nossas necessidades? Olhando em volta, pontuando cada coisa, tudo parece necessário e pode até estar faltando algo, se consultarmos a lista dos desejos não satisfeitos. Ela pode inclusive crescer, a qualquer momento, ante a notícia de um produto novo, irresistível. “Como eu nunca tinha pensado nisso?”, indagamos surpresos, admirando o criador naquela nova necessidade. Dessa forma a lista não tem fim, proporcionalmente à insatisfação que nos consome.

Insatisfação é a fonte dos problemas, pela mesma razão que o contentamento é a solução, culminando finalmente na paz. Como alcançar esse estado que o sábio Ramana Maharshi considera ser o objetivo supremo da existência humana?  Conhecemos, por acaso, seu significado?
           
A mente é muito hábil em dar nomes. Voltada para fora, está sempre em busca de rótulo para as coisas, achando, a partir daí, que já as conhece. Sabemos o que é o amor, já decaído à condição de ato sexual? Não. Também não sabemos o que é a paz, no máximo tomando-a como aquela satisfação momentânea que vem após a realização de um desejo, logo dando lugar a outro.
           
No célebre texto conhecido como “Escada de Ouro”, de que nos fala Helena Petrovna Blavatsky, certa passagem diz: “Há uma paz que ultrapassa o entendimento. Mora no coração daqueles que vivem no eterno”. O que é o entendimento?
           
Trata-se de uma importante conquista do intelecto. Em parte porque satisfaz a ambição de controle inerente ao ego, sedento de posses. Mas também porque educa nossa percepção pelo raciocínio, fortalecendo a mente para saltos mais profundos. O intelecto não consegue, entretanto, empreender a jornada para o eterno. Muito além do raciocínio e das palavras, esse é um desafio para o espírito, indo ao encontro de si mesmo. Aí não se trata de ter, mas de Ser.
           
Paz tem o significado real de plenitude. E a plenitude, como a verdadeira paz, é algo que decerto ultrapassa o entendimento. Como podemos ser plenos num corpo cheio de carências? Não podemos. Atracados na âncora pesada do corpo – como o pássaro que confunde a gaiola com a própria vida – estamos identificados com ele, impossibilitados de voar. Daí também o medo da morte, pois esse é o destino inevitável do corpo.
             
A plenitude, por sua vez, tem ainda o significado de felicidade, esse dom natural de toda alma. Não conseguindo nos sentir plenos, não temos paz nem felicidade, pois essas três coisas são uma só, tendo ainda a conotação do eterno, como ensina Blavatsky. Portanto, não há como nos enganar pela satisfação momentânea dos sentidos. Comer um doce ou ter relação íntima nas esquinas não é felicidade. Apenas uma frustrante sensação fantasiada pela mente.
           
Uma luz, porém, nos aguarda no fim do túnel. Para Maharshi já somos todos iluminados, apenas ignorantes do fato, sendo esse o véu que nos separa da felicidade. Tal informação pode ter libertado alguém, que já estava “pronto”. Mas, para a grande maioria, continua o enigma, sendo apenas mais um dado em nosso campo mental entulhado de desejos e necessidades. Como ir além?
           
O sábio de novo mostra o caminho dizendo: “Entregue-se”. Essa também foi a proposta do Cristo ao moço rico que queria segui-lo, não tendo, porém, a coragem de ir adiante, pois precisava livrar-se de sua pesada bagagem. Como sugerir a renúncia a quem só acredita na posse?
           
Maharshi, que aos 17 anos renunciou ao mundo – sem entretanto exigir isso de seus discípulos – exemplifica o processo de maneira diferente com a imagem do trem. Se você o toma, não precisa mais carregar sua mala nos ombros. Nem a mental, nem a física. Basta colocar no bagageiro do trem. Deus, o criador de todas as coisas, pode suportar qualquer peso, diz Maharshi. Confie nele – que está dentro de você mesmo – e deixe que ele faça a mudança.
           
Sócrates ensinava que não ter necessidades é divino. Portanto, quanto menos necessidades tivermos, mais próximos estamos do divino. A plenitude mora de fato no vazio, talvez estimulando, porém, nossa ânsia de crescimento e esta vocação para acumular coisas que passam.
           
Se, conforme Maharshi, já somos todos iluminados, onde está a paz? Encontra-se envolta em nossa capa de necessidades sem fim, amarrando-nos externamente em cada desejo. Resta-nos, assim, “des-envolvê-la”, voltar a mente para dentro, despertando ao mesmo tempo a vocação para o eterno.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.

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