quinta-feira, 26 de abril de 2012

Sociedade da inveja: como estar nela sem ser dela?



Walter S. Barbosa[1]
Referindo-se ao dilema de viver em sociedade, com suas exigências centradas no ego, no prazer, no consumo, enquanto talvez tenhamos metas de crescimento contrárias – voltadas para o Ser e não para o “acumular” – a teósofa Radha Burnier[2] disse certa vez que deveríamos estar no mundo sem ser do mundo.

Estar no mundo é essencial como a grande escola da vida. É nele que a evolução se acelera, que a vontade cria corpo ao enfrentar a resistência, ausente no “plano espiritual”.

Esse mundo pode ser definido como a “sociedade da inveja”, da comparação, da disputa por bens, baseando-se no consumo até como meta governamental. O lucro, por sua vez, é o pilar desse sistema, o que parece inevitável ante o naufrágio da proposta de Marx. Os que duvidam disso estão apenas se agarrando aos destroços que sobraram.

Por sinal, a terrível burocracia implantada nas sociedades comunistas – no sentido de controlar e estimular a produção sem a figura do lucro pessoal – deixa evidente o quanto estamos longe da possibilidade de esforço sem recompensa, ainda que indireta.

Não havendo, por outro lado, um elemento dosador para essa recompensa no sistema capitalista, nada há que possa colocar freios na ambição a não ser o limite do consumo, que é então estimulado ao extremo. Daí o caos, a poluição e o desequilíbrio em todo lugar do planeta atingido pelo homem. Este, por sinal, já há algum tempo estende o olhar para as estrelas quiçá imaginando opções de fuga, levando junto sua “caixa de Pandora”.

Caso desejemos nos inteirar da “sociedade da inveja”, basta olhar com alguma frieza o televisor ou os outdoors. Os paradigmas de felicidade mostrados em todo canto – incluindo ídolos embalados no uso de entorpecentes – não deixam dúvidas. No lado oposto, jovens estimulados à imitação e a levar vantagem no modelo viciado do “castigo e recompensa” (base da “Teoria do reflexo condicionado”), só fazem resvalar na goela da inconsciência, onde até a religião pode se tornar objeto de consumo. 


De que maneira se pode estar nesta sociedade sem ser dela? A resposta deve ser buscada num parâmetro situado além. “Meu reino não é deste mundo” disse o Cristo. Porém, mesmo os que dizem querer o reino acabam preferindo as benesses do mundo.

Como base de tais benesses, estão o conforto e a alegria. Conforto certamente é bom. O progresso – em especial, o que reduz doenças – é bem-vindo. Por outro lado, a alegria é fundamental para a vida. Na jornada espiritual, o vigor e o entusiasmo devem estar presentes – fazendo com que nos tornemos o próprio caminho – surgindo o tropeço, o desânimo, a dúvida, apenas quando resistimos a ele. Assim, tomemos o conforto e a alegria como ajuda para refletir, do ponto de vista mais amplo do Yoga.

Em tal perspectiva, a simplicidade é o elemento dosador do conforto, evitando que este seja buscado como um fim em si mesmo, gerando a inveja, o consumismo, a poluição e outras desgraças no mundo. A alegria, por sua vez, é vista como contentamento – cujo significado é “autossuficiência” – e não como o prazer que esgota toda a criatividade humana no sexo. Tal condição obviamente só pode ser atingida na simplicidade. Aí se fecha a matemática infalível do Yoga na busca do autoconhecimento: só quem se conhece pode realmente ser simples, só quem é simples pode ser feliz.

Algo muito distante da “sociedade da inveja”? Pode ser. Mas é talvez o único antídoto para seu veneno. É a maneira de podermos estar no mundo sem ser do mundo.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
[2] Presidente Internacional da Sociedade Teosófica, em Adyar, Chennai, Índia.


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