Walter S. Barbosa[1]
Referindo-se ao dilema de viver
em sociedade, com suas exigências centradas no ego, no prazer, no consumo, enquanto
talvez tenhamos metas de crescimento contrárias – voltadas para o Ser e não
para o “acumular” – a teósofa Radha Burnier[2] disse
certa vez que deveríamos estar no mundo sem ser do mundo.
Estar no mundo é essencial como a
grande escola da vida. É nele que a evolução se acelera, que a vontade cria
corpo ao enfrentar a resistência, ausente no “plano espiritual”.
Esse mundo pode ser definido como
a “sociedade da inveja”, da comparação, da disputa por bens, baseando-se no
consumo até como meta governamental. O lucro, por sua vez, é o pilar desse
sistema, o que parece inevitável ante o naufrágio da proposta de Marx. Os que
duvidam disso estão apenas se agarrando aos destroços que sobraram.
Por sinal, a terrível burocracia
implantada nas sociedades comunistas – no sentido de controlar e estimular a produção
sem a figura do lucro pessoal – deixa evidente o quanto estamos longe da
possibilidade de esforço sem recompensa, ainda que indireta.
Não havendo, por outro lado, um
elemento dosador para essa recompensa no sistema capitalista, nada há que possa
colocar freios na ambição a não ser o limite do consumo, que é então estimulado
ao extremo. Daí o caos, a poluição e o desequilíbrio em todo lugar do planeta
atingido pelo homem. Este, por sinal, já há algum tempo estende o olhar para as
estrelas quiçá imaginando opções de fuga, levando junto sua “caixa de Pandora”.
Caso desejemos nos inteirar da
“sociedade da inveja”, basta olhar com alguma frieza o televisor ou os
outdoors. Os paradigmas de felicidade mostrados em todo canto – incluindo
ídolos embalados no uso de entorpecentes – não deixam dúvidas. No lado oposto, jovens
estimulados à imitação e a levar vantagem no modelo viciado do “castigo e
recompensa” (base da “Teoria do reflexo condicionado”), só fazem resvalar na goela
da inconsciência, onde até a religião pode se tornar objeto de consumo.
De que maneira se pode estar nesta sociedade sem
ser dela? A resposta deve ser buscada num parâmetro situado além. “Meu reino
não é deste mundo” disse o Cristo. Porém, mesmo os que dizem querer o reino acabam
preferindo as benesses do mundo.
Como base de tais benesses, estão o conforto e a
alegria. Conforto certamente é bom. O progresso – em especial, o que reduz
doenças – é bem-vindo. Por outro lado, a alegria é fundamental para a vida. Na
jornada espiritual, o vigor e o entusiasmo devem estar presentes – fazendo com
que nos tornemos o próprio caminho – surgindo o tropeço, o desânimo, a dúvida, apenas
quando resistimos a ele. Assim, tomemos o conforto e a alegria como ajuda para
refletir, do ponto de vista mais amplo do Yoga.
Em tal perspectiva, a simplicidade é o elemento
dosador do conforto, evitando que este seja buscado como um fim em si mesmo, gerando
a inveja, o consumismo, a poluição e outras desgraças no mundo. A alegria, por
sua vez, é vista como contentamento – cujo significado é “autossuficiência” – e
não como o prazer que esgota toda a criatividade humana no sexo. Tal condição obviamente
só pode ser atingida na simplicidade. Aí se fecha a matemática infalível do
Yoga na busca do autoconhecimento: só quem se conhece pode realmente ser simples,
só quem é simples pode ser feliz.
Algo muito distante da “sociedade da inveja”? Pode
ser. Mas é talvez o único antídoto para seu veneno. É a maneira de podermos estar
no mundo sem ser do mundo.
[1] Membro
da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
[2]
Presidente Internacional da Sociedade Teosófica, em Adyar, Chennai, Índia.
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