quinta-feira, 26 de abril de 2012

Ramana Maharshi: “tudo é real”


Walter S. Barbosa[1]
Ignorância é o único problema do ser humano. Por essa razão, toda dificuldade que ele vive está dentro dele. Ou seja, seu obstáculo tem começo e fim nele mesmo.

O que o ser humano ignora? Sua natureza divina, encoberta pelos véus da matéria. O nome para esses véus é ilusão, chamada Maya em sânscrito.

Sendo a ilusão a base do sofrimento, o ensinamento espiritual verdadeiro tem por fim eliminar essa ilusão, levando-nos a aprender a distinção entre o verdadeiro e o falso, o real e o irreal. Maharshi, contudo, dizia que “tudo é real”, no que parecia concordar com a visão dos próprios materialistas, pondo fé nas coisas transitórias da vida.

É significativo o fato de que 90% ou mais de todo sofrimento é psicológico, misturando emoção e mente e podendo acabar quando desejarmos. O problema é que, por incrível que pareça, gostamos de sofrer, freqüentemente alimentando o sofrimento do ódio e das recordações amargas por anos a fio, como se fosse um verdadeiro troféu (o que nos converte em nosso próprio inimigo).

Esse “gostar de sofrer”, na maior parte do tempo inconsciente, às vezes chega a ser consciente, quando trocamos a saúde pela opção do vício, sabendo que esse prazer (como no caso do tabagismo) pode estar nos encaminhando para o câncer, para o acidente vascular cerebral e assim por diante. Em tal caso, praticamos o chamado suicídio involuntário, como exemplifica o filme “Nosso Lar”, pagando depois por isso.

Ramana Maharshi foi um sábio indiano que viveu no século passado, deixando o corpo físico no ano de 1950. Aos discípulos que lamentavam sua passagem iminente ele dizia: “Por que lamentar? Estarei sempre aqui. Para onde eu poderia ir?” A causa de seu desencarne foi o câncer, apesar de ele jamais ter tido qualquer vício. Alguém pode então argumentar: “Como considerar Maharshi um iluminado, se ele morreu de câncer?”

A dúvida – que abrangeria o sofrimento de outros seres elevados, como o próprio Cristo – seria pertinente se toda a experiência humana se resumisse a um só nascimento físico. Tendo, ao contrário, já vivido aqui muitas vezes, carregamos o que se chama de “carma acumulado”, que se esgota aos poucos (enquanto em nossa inconsciência vamos gerando outros). Às vezes um ser elevado opta por grandes sofrimentos a fim de eliminar esse carma, apressando sua libertação da roda dos nascimentos e mortes.

Diz-se ainda que, no caso dos Mestres, pode haver outro tipo de problema, determinado por sua Compaixão: gerar carma para si quando um discípulo trai sua confiança, usando indevidamente poderes obtidos, até em prejuízo de outras pessoas. No misterioso equilíbrio entre “espírito e matéria”, que mantém a existência do Universo, todo erro tem um preço, inclusive para os Mestres. Não há quem possa fugir à Grande Lei (se isso fosse possível, obviamente ela não seria justa).

Enfim, como ensinou Maharshi, do ponto de vista do sábio tudo é real por uma razão básica: para ele toda dualidade – como “bem e mal” ou “verdadeiro e falso” – deixa de existir, assim como não há mais qualquer separação entre ele e o outro, já que sua consciência abrange tudo. Dentro dela também estará, logicamente, aquilo que é transitório, mas será visto nessa condição, não mais prendendo tal consciência no mundo.
Certa vez Jesus disse “Eu e o Pai somos um”. Estando o Pai em todas as coisas, na própria criatura, quando chegamos à unidade com Ele estamos unidos com tudo e com todos. O “outro” então desaparece. O falso e o verdadeiro se fundem na própria realidade, como sentido final de todas as coisas. Algumas dessas coisas chegam e passam, como ocorre a toda forma, mas o sábio está sempre enxergando sua essência. Por isso ele jamais se engana e nem sofre quando elas vão embora.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.

Nenhum comentário: