Walter S. Barbosa[1]
Ignorância é o único problema do ser humano. Por
essa razão, toda dificuldade que ele vive está dentro dele. Ou seja, seu
obstáculo tem começo e fim nele mesmo.
O que o ser humano ignora? Sua natureza divina,
encoberta pelos véus da matéria. O nome para esses véus é ilusão, chamada Maya em sânscrito.
Sendo a ilusão a base do sofrimento, o ensinamento
espiritual verdadeiro tem por fim eliminar essa ilusão, levando-nos a aprender
a distinção entre o verdadeiro e o falso, o real e o irreal. Maharshi, contudo,
dizia que “tudo é real”, no que parecia concordar com a visão dos próprios
materialistas, pondo fé nas coisas transitórias da vida.
É significativo o fato de que 90% ou mais de todo
sofrimento é psicológico, misturando emoção e mente e podendo acabar quando
desejarmos. O problema é que, por incrível que pareça, gostamos de sofrer, freqüentemente
alimentando o sofrimento do ódio e das recordações amargas por anos a fio, como
se fosse um verdadeiro troféu (o que nos converte em nosso próprio inimigo).
Esse “gostar de sofrer”, na maior parte do tempo
inconsciente, às vezes chega a ser consciente, quando trocamos a saúde pela
opção do vício, sabendo que esse prazer (como no caso do tabagismo) pode estar
nos encaminhando para o câncer, para o acidente vascular cerebral e assim por
diante. Em tal caso, praticamos o chamado suicídio involuntário, como exemplifica o filme
“Nosso Lar”, pagando depois por isso.
Ramana Maharshi foi um sábio indiano que viveu no
século passado, deixando o corpo físico no ano de 1950. Aos discípulos que
lamentavam sua passagem iminente ele dizia: “Por que lamentar? Estarei sempre
aqui. Para onde eu poderia ir?” A causa de seu desencarne foi o câncer, apesar
de ele jamais ter tido qualquer vício. Alguém pode então argumentar: “Como considerar
Maharshi um iluminado, se ele morreu de câncer?”
A dúvida – que abrangeria o sofrimento de outros
seres elevados, como o próprio Cristo – seria pertinente se toda a experiência
humana se resumisse a um só nascimento físico. Tendo, ao contrário, já vivido
aqui muitas vezes, carregamos o que se chama de “carma acumulado”, que se esgota
aos poucos (enquanto em nossa inconsciência vamos gerando outros). Às vezes um
ser elevado opta por grandes sofrimentos a fim de eliminar esse carma, apressando
sua libertação da roda dos nascimentos e mortes.
Diz-se ainda que, no caso dos Mestres, pode haver
outro tipo de problema, determinado por sua Compaixão: gerar carma para si
quando um discípulo trai sua confiança, usando indevidamente poderes obtidos,
até em prejuízo de outras pessoas. No misterioso equilíbrio entre “espírito e
matéria”, que mantém a existência do Universo, todo erro tem um preço,
inclusive para os Mestres. Não há quem possa fugir à Grande Lei (se isso fosse
possível, obviamente ela não seria justa).
Enfim, como ensinou Maharshi, do ponto de vista do
sábio tudo é real por uma razão básica: para ele toda dualidade – como “bem e mal” ou “verdadeiro
e falso” – deixa de existir, assim como não há mais qualquer separação entre
ele e o outro, já que sua consciência abrange tudo. Dentro dela também estará, logicamente,
aquilo que é transitório, mas será visto nessa condição, não mais prendendo tal
consciência no mundo.
Certa vez Jesus disse “Eu e o Pai somos um”.
Estando o Pai em todas as coisas, na própria criatura, quando chegamos à
unidade com Ele estamos unidos com tudo e com todos. O “outro” então
desaparece. O falso e o verdadeiro se fundem na própria realidade, como sentido
final de todas as coisas. Algumas dessas coisas chegam e passam, como ocorre a
toda forma, mas o sábio está sempre enxergando sua essência. Por isso ele
jamais se engana e nem sofre quando elas vão embora.
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