Walter S. Barbosa[1]
Na visão do sábio indiano Ramana Maharshi, segundo
suas próprias palavras, “tudo é real” (Pérolas de Sabedoria, Editora Teosófica). Mas
vale a pena aprofundar a questão. Que realidade é essa? No que ela difere da
visão materialista, que se prende ao corpo físico e assim teme perdê-lo, enquanto
Maharshi não tinha o menor apego a ele?
Em termos práticos, o principal efeito de tomarmos
o falso como verdadeiro chama-se sofrimento. Pode-se fazer uma interessante distinção
entre dor e sofrimento. A dor tem quase sempre uma conotação física, enquanto o
sofrimento é mais abrangente, incluindo a dor moral ou psicológica, que talvez
corresponda a 90% ou mais de todo o sofrimento. Essa é uma informação
maravilhosa. Em 90% do tempo sofremos por nada!
Qual a natureza da dor psicológica? É essencialmente
mental, vinculando-se a sentimentos de medo, perda ou impotência de qualquer
tipo, baseando-se naquilo que a mente quer ver, e não no que “é”. Pensamento e
sentimento trabalham juntos na natureza humana, mas o condutor principal é a
mente, como um corpo superior. A possibilidade de dominar e reeducar os
sentimentos vem de “cima” para “baixo” – do espírito, ou Self, para o ego –
subordinando-se à pacificação da mente, que está no “meio”.
Mente pacífica é uma mente quieta. Só pode estar
quieta uma mente sem apegos ou medos. O que também significa “sem desejos”,
porque estes é que provocam toda a sucessão das buscas e ansiedade que geram
apego e medo.
Podemos também fazer distinção entre os desejos. Há
os de natureza mais física, instintiva, e os de natureza mental-emocional,
sendo uma regra o fato de que os desejos densos – como o sexual, ou a ânsia
pela comida – geram mais apego (busca da repetição) pela energia envolvida.
Numa comparação grosseira, é mais fácil tirar o pé de um balde cheio de água do
que de um cheio de cimento. Assim, o “truque” é sutilizar o desejo.
As necessidades físicas estão ligadas em parte à
sobrevivência do corpo. São, portanto, uma coisa bem real, orgânica. O estômago
começa a roncar, a partir de certo momento, pedindo comida. Contudo, essa
exigência varia de intensidade em cada um de nós. Se temos domínio (obviamente,
mais difícil para o glutão), podemos adiá-la por algum tempo, sem sofrer.
Vemos, assim, que mesmo a sensação física depende de quem a sente, perdendo a
conotação de realidade conforme a autoeducação de cada um.
No campo psicológico, todas as necessidades
desaparecem, em termos de urgência, quando a mente se aquieta. Comparada nas
histórias orientais a um macaco, sempre pulando de galho em galho, essa
inquietude deve-se unicamente à sua impureza, aos pontos de apego que existem
nela. Aí, novamente a questão do apego, esse laço tão presente, em especial,
nas relações familiares, que vão mudando de uma vida para outra.
Na visão do sábio, o verdadeiro e o falso fundem-se
na própria realidade. Uma bolha de sabão é verdadeira enquanto bolha, mas não
enquanto permanência. O pôr do sol é verdadeiro enquanto um jogo de cores, mas
também se esvanece, como a beleza que o corpo físico às vezes tem. A diferença
deste para uma bolha de sabão, em termos de realidade, é apenas uma questão de
tempo.
Por que ter medo de perder aquilo que, por sua própria
natureza, já está perdido? Reconhecer isso talvez seja uma das principais
distinções entre o sábio e o tolo, aí incluindo todos nós, que em nossas
práticas somos de fato materialistas, não importando as crenças religiosas que
dizemos ter.
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