quinta-feira, 26 de abril de 2012

A natureza cobra pelo abuso


Walter S. Barbosa[1]
Previsão de mil desencarnações. Afinal, ninguém morre, só mudamos de dimensão – somos sempre Espíritos – tal como a água é sempre água, seja no estado sólido, líquido ou gasoso. Talvez nunca se chegue ao número correto dos que assim mudaram de “estado”, pela impossibilidade de acesso a alguns lugares nas regiões serranas do Rio.

Buscam-se culpados. Estivéssemos na Índia e provavelmente não se cogitaria disso, pois naquela parte mais velha do mundo as costas largas do Carma respondem por tudo. Na perspectiva da “Lei de Causa e Efeito” apenas colhemos o que plantamos, envolvendo conforto, ambição, a busca de vantagens e outras características da natureza humana. Enquanto esta cede aos caprichos de nossa mente, a natureza que pulsa nas montanhas, nos pássaros e no rio apenas segue, com total neutralidade, a Grande Lei.

Por que nos instalamos em uma área de risco? Necessidade nem sempre é a resposta, pois não foram poucas as mansões levadas de roldão no meio da lama. De qualquer maneira, à própria sombra do Carma, tais escolhas parecem indicar um distanciamento de nossas origens, um tempo em que sabíamos viver em comunhão com a Mãe Terra. Por sinal, na Índia esse comportamento ainda está muito presente no dia-a-dia das pessoas.

Em texto recente, inspirado nos acontecimentos do Rio, Leonardo Boff escreve: “O universo e a natureza possuem história. Ela está sendo contada pelas estrelas, pela Terra, pelo afloramento e elevação das montanhas, pelos animais, pelas florestas e pelos rios. Nossa tarefa é saber escutar e interpretar as mensagens que eles nos mandam. Os povos originários sabiam captar cada movimento das nuvens, o sentido dos ventos e sabiam quando vinham ou não trombas d’água. Chico Mendes, com quem participei de longas penetrações na floresta amazônica do Acre, sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem de onças nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a direção em que ia a manada de perigosos porcos selvagens. Nós desaprendemos tudo isso. Com o recurso das ciências lemos a história inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse conhecimento não entrou nos currículos escolares nem se transformou em cultura geral. Antes, virou técnica para dominar a natureza e acumular”.

Acontecimentos desse tipo parecem estar ocorrendo com freqüência crescente, pelo efeito cumulativo de nossa falta de sabedoria na convivência com a natureza. Estaríamos caminhando para “o fim”? Ao lado das profecias nesse sentido, há, porém, um grupo de obreiros trabalhando pela igualdade de todos os Reinos de Vida, considerando a própria Mãe Terra como um ser vivo. Aponta-se, aí, evidentemente, não para o fim, mas um novo começo. Já ouvi falar de roceiros que, ao semearem a terra, não esquecem a cota dos passarinhos e das capivaras.

Frei Leonardo diz ainda: “Só controlamos a natureza na medida em que lhe obedecemos e soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais. Caso contrário, teremos que contar com tragédias fatais evitáveis”. No fundo, entretanto, ninguém domina a natureza, repleta de “sinais”, mas sujeita a leis acima do controle humano.

Em nosso próprio interior, a natureza deve ser compreendida e transformada. Nossos impulsos ancestrais, sujeitos a memórias e energias acumuladas em nossos corpos, devem ser mudados pela auto-observação e pela purificação, despertando a consciência. Quanto à natureza que gerou e sustenta o mundo, o máximo ao nosso dispor consiste em entendê-la e cooperar com ela. Ou então, sermos enterrados por ela.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.

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