Walter S. Barbosa[1]
Retransmito a lição de vida do
povo japonês, na ocorrência do terremoto e tsunami no dia 11 de março. O texto
é da monja Coen.
“Quando voltei ao Brasil, depois
de residir doze anos no Japão, me incumbi da difícil missão de transmitir o que
mais me impressionou do povo japonês: kokoro. Kokoro ou Shin significa
coração-mente-essência. Como educar pessoas a ter sensibilidade suficiente para
sair de si mesmas, de suas necessidades pessoais e se colocar a serviço e
disposição do grupo, das outras pessoas, da natureza ilimitada?
Outra palavra é gaman: agüentar, suportar.
Educação para ser capaz de suportar dificuldades e superá-las. Assim, os
eventos de 11 de março, no Japão, surpreenderam o mundo de duas maneiras.
A primeira pela violência do tsunami e dos vários terremotos, bem como dos
perigos de radiação das usinas nucleares de Fukushima. A segunda pela
disciplina, ordem, dignidade, paciência, honra e respeito de todas as vítimas.
Filas de pessoas passando baldes
cheios e vazios, de uma piscina para os banheiros. Nos abrigos, a surpresa das
repórteres norte americanas: ninguém queria tirar vantagem sobre ninguém.
Compartilhavam cobertas, alimentos, dores, saudades, preocupações, massagens.
Cada qual se mantinha em sua área. As crianças não faziam algazarra, não
corriam e gritavam, mas se mantinham no espaço que a família havia reservado.
Não furaram as filas para
assistência médica - quantas pessoas necessitando de remédios perdidos - mas
esperaram sua vez também para receber água, usar o telefone, receber atenção
médica, alimentos, roupas e escalda-pés singelos, com pouquíssima água.
Compartilharam também do resfriado, da falta de água para higiene pessoal e
coletiva, da fome, da tristeza, da dor, das perdas de verduras, leite, da
morte.
Nos supermercados lotados e
esvaziados de alimentos, não houve saques. Houve a resignação da tragédia
e o agradecimento pelo pouco que recebiam. Ensinamento de Buda, hoje
enraizado na cultura e chamado de kansha no kokoro: coração de gratidão.
Sumimasen é outra palavra chave. Desculpe, sinto muito, com
licença. Por vezes me parecia que as pessoas pediam desculpas por viver.
Desculpe causar preocupação, desculpe incomodar, desculpe precisar falar com
você, ou tocar à sua porta. Desculpe pela minha dor, pelas minhas
lágrimas, pela minha passagem, pela preocupação que estamos causando ao
mundo. Quando temos humildade e respeito pensamos nos outros, nos seus sentimentos,
necessidades. Quando cuidamos da vida como um todo, somos cuidados e respeitados.
O inverso não é verdadeiro: se pensar primeiro em mim e só cuidar de mim,
perderei. Cada um de nós, cada uma de nós é o todo manifesto.
Acompanhando as transmissões na
TV e na Internet, pude pressentir a atenção e cuidado com quem estaria
assistindo: mostrar a realidade, sem ofender, sem estarrecer, sem causar
pânico. As vítimas encontradas, vivas ou mortas eram gentilmente cobertas
pelos grupos de resgate e delicadamente transportadas - quer para as
tendas do exército, que serviam de hospital, quer para as ambulâncias,
helicópteros, barcos, que os levariam a hospitais. Na análise da situação por
especialistas e informações incessantes a toda população (...), a noção bem
estabelecida de que ‘somos um só povo e um só país’.
Telefonei várias vezes aos
templos por onde passei. Diziam-me do exagero das notícias
internacionais, da confiança nas soluções que seriam encontradas e todos me
pediram que não cancelasse nossa viagem em julho próximo. Aprendemos com essa
tragédia o que Buda ensinou há dois mil e quinhentos anos: a vida é
transitória, nada é seguro neste mundo, tudo pode ser destruído em um instante
e reconstruído novamente”, conclui a monja Coen.
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