Walter S. Barbosa[1]
Segundo o Dalai Lama, “O amor e compaixão nutridos por seus amigos,
esposa e filhos, não são verdadeiros em sua essência. São apego, e esse tipo de
amor não pode ser infinito". Ou seja, tais amores têm começo e têm fim.
Apego é o sentimento de retenção focado nos patrimônios do ego, inclusive
aquele que costumamos chamar de amor. Sua motivação maior é a garantia de segurança,
de continuidade. E, como enfatiza Rohit Mehta[2],
em concordância com o Dalai Lama, “Se o amor tem motivo, então não é amor
algum”.
Acostumados a sentir e definir o amor com base na estatura humana – baseando-se,
na melhor das hipóteses, em trocas justas – como assimilar a proposta do amor
sem motivos, aquele que se manifesta espontaneamente, sem preocupação com
resultados?
Recentemente assisti a uma reportagem na qual voluntários se dedicavam a
crianças com deficiências múltiplas, aparentemente sem possibilidade de
recuperação. A dependência era total. O quadro era pungente.
Quando alguém se desdobra no trabalho junto a crianças saudáveis, sua
recompensa maior decerto é o avanço cognitivo e comportamental dos jovens
pupilos. No caso daqueles voluntários, o que poderiam eles vislumbrar como retribuição
ao seu esforço? Apesar da situação que me parecia tão sem esperança, sua tarefa
era executada nos mínimos detalhes. Se havia ali alguma troca, ela só poderia
estar no nível da alma.
Nas diversas áreas onde a miséria e o abandono se apresentam – e estão em
toda parte – outros heróis se curvam diante da dor, tentando reduzi-la sem se
importarem consigo mesmos. Na convivência familiar, porém, nosso amor costuma basear-se
em carências pessoais. Daí porque a compaixão acaso existente nesses laços também
se revela como apego. Seu objetivo é quase sempre a continuidade do conforto.
O relacionamento é a base do autoconhecimento, da expansão da
consciência. Se vivido, porém – conforme as regras comerciais – apenas no nível do “dar para receber” (ainda que muito sutil), o que avançamos além delas? Há um nível de convivência que
pode romper essa regra, levando o
relacionamento à sua maior dádiva: desenvolver nosso autoesquecimento, atingindo as valiosas
propriedades do ego.
Já se disse que amar é querer o bem do outro. Será que isso é fazer necessariamente o que o outro quer, como
tática óbvia para esticar a relação, “evitar” conflitos, dar continuidade ao conforto?
Em alguns casos, dizer não pode ser nossa
oferta real de amor, pondo em questão os apegos mais profundos (podem até ser
“doces”, mas também abrigar o abuso ou a tirania).
Noutras vezes, o autoesquecimento pode exigir a renúncia a um dos
nossos patrimônios mais caros: a nossa razão,
algo que defendemos com unhas e dentes, entrando nos domínios do “amor-próprio”.
Se para o ego tal renúncia é uma pequena
morte, para o Ser é expansão da vida, da consciência (ela cresce na medida
em que nosso lado inferior diminui), ensejando também o exercício legítimo da compaixão
nas relações.
Pode-se objetar: “E se minha razão for verdadeira? Tal renúncia não dará
uma falsa segurança e, ainda, um reforço indevido ao ego do outro?” Convidamos
você a refletir conosco a respeito, na continuação deste fascinante tema[3].
[1] Membro
da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
[2] MEHTA,
Rohit. “O Chamado dos Upanishades”, Editora Teosófica.
[3] Este e
outros textos encontram-se abertos aos seus comentários em www.uniconsportal.org.br.
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