Walter S. Barbosa[1]
Considerada uma virtude inerente
às almas mais elevadas, a compaixão é exemplificada na vida desses seres de
maneira indistinta em relação a tudo que vive, quer se trate de um homem, um
animal ou mesmo uma planta.
Ter compaixão, como geralmente
entendemos, é compartilhar a dor do outro, nesse caso atribuindo à palavra
paixão o sentido de desgosto, mágoa,
sofrimento. Imagino que aí se deva enquadrar a “Paixão de Cristo”, pois
obviamente não se pode atribuir a Jesus o “afeto dominador e cego” ou a
“obsessão”, que são características das paixões humanas.
Contudo, para o Dalai Lama, "A verdadeira compaixão não consiste em
sofrer pelo outro. Se ajudamos uma pessoa que sofre e nos deixamos invadir por
seu sofrimento, somos ineficazes e estamos tão somente reforçando nosso
ego." E ainda, "Se tiver amor e compaixão por todos os seres
sencientes, em especial por seus inimigos, este é o verdadeiro amor e a
verdadeira compaixão. O amor e compaixão, nutridos por seus amigos, esposa e
filhos, não são verdadeiros em sua essência. São apego, e esse tipo de amor não
pode ser infinito."
O que é o sofrimento? Apenas um fruto da ignorância, representando a
inconsciência de nossa natureza divina. Essa natureza já existe aqui e agora. É
amor, luz, felicidade. Mas a densidade vibratória de nossos corpos – feitos de
energia ainda muito pesada – impede a percepção dessa felicidade, assim como
uma lâmpada acesa dentro de um vaso de cristal fica invisível se ele está cheio
de água suja. Carregamos um tesouro infinito de autossuficiência e paz em nosso
coração, enquanto buscamos migalhas de afeto e aprovação nas mãos dos outros, por disputar o mesmo "osso".
Tal dependência, sem dúvida, é sofrimento.
Tendo atingido a única independência real – a da alma – um Mestre por
certo não se desmanchará em lágrimas pelo sofrimento da humanidade. Sabendo que
todo sofrimento é transitório, além de mecanismo de resgate do Carma e também
de consciência – caso o aceitemos como uma lição da vida – um Mestre vive sua
própria quota de autossacrifício pela renúncia ao nirvana em favor da
humanidade, às vezes até voltando a um corpo físico quando já liberto das
ilusões que nos sustentam nesse corpo. O que é isso, senão infinito amor?
Assim, ao juntar a compaixão com o amor, o Dalai Lama nos aponta a raiz
desse sentimento sublime, que nada tem a ver com sentimentalismo ou com as
manifestações de impotência do ego. Ao contrário, é a eclosão da potência do
Amor, com seu atributo de agigantar o coração compassivo. Nesse particular, a compaixão
tem o toque especial do autossacrifício,
dedicando atenção particularmente aos mais necessitados. Por isso, na parábola
da “ovelha perdida”, o pastor deixa em segurança suas ovelhas e sai em busca da
que se perdeu.
"A compaixão tem pouco valor se permanece uma idéia; ela deve
tornar-se nossa atitude em relação aos outros, refletida em todos os nossos
pensamentos e ações”, diz ainda o Dalai Lama. Como “atitude em relação aos
outros”, ela deveria permear tudo que fazemos. Numa discussão, por exemplo,
renunciar à ânsia de “ganhar” ou "ter razão" – típica do ego – pode ser um ato de compaixão. Assim, em dado momento, todos nós podemos exercê-la
ou sermos dignos dela.
Também é possível que, ao tentar realizar um serviço desinteressado, a
água suja de nosso vaso de cristal obscureça o trabalho, revelando a marca do
ego. Nesse caso, o que fazer, além de contar com a compaixão dos que nos cercam?
Voltar à carapaça do ego, cedendo ao seu império? A saída talvez seja, antes de
tudo, reconhecer a imperfeição e aí submetê-la ao altar do Deus Interno, pois o
ego é incapaz de matar a si mesmo. Apenas o maior em nós pode superar o menor.
Depois disso, seguir em frente. Ainda que pequenino e imperfeito, nosso esforço
pode estar contribuindo para reduzir o oceano da indiferença e falta de
compaixão no mundo.
[1] Membro
da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência
(www.uniconsportal.org.br).
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