quinta-feira, 26 de abril de 2012

Compaixão: quem não necessita dela?



Walter S. Barbosa[1]
Considerada uma virtude inerente às almas mais elevadas, a compaixão é exemplificada na vida desses seres de maneira indistinta em relação a tudo que vive, quer se trate de um homem, um animal ou mesmo uma planta.

Ter compaixão, como geralmente entendemos, é compartilhar a dor do outro, nesse caso atribuindo à palavra paixão o sentido de desgosto, mágoa, sofrimento. Imagino que aí se deva enquadrar a “Paixão de Cristo”, pois obviamente não se pode atribuir a Jesus o “afeto dominador e cego” ou a “obsessão”, que são características das paixões humanas.

Contudo, para o Dalai Lama, "A verdadeira compaixão não consiste em sofrer pelo outro. Se ajudamos uma pessoa que sofre e nos deixamos invadir por seu sofrimento, somos ineficazes e estamos tão somente reforçando nosso ego." E ainda, "Se tiver amor e compaixão por todos os seres sencientes, em especial por seus inimigos, este é o verdadeiro amor e a verdadeira compaixão. O amor e compaixão, nutridos por seus amigos, esposa e filhos, não são verdadeiros em sua essência. São apego, e esse tipo de amor não pode ser infinito."

O que é o sofrimento? Apenas um fruto da ignorância, representando a inconsciência de nossa natureza divina. Essa natureza já existe aqui e agora. É amor, luz, felicidade. Mas a densidade vibratória de nossos corpos – feitos de energia ainda muito pesada – impede a percepção dessa felicidade, assim como uma lâmpada acesa dentro de um vaso de cristal fica invisível se ele está cheio de água suja. Carregamos um tesouro infinito de autossuficiência e paz em nosso coração, enquanto buscamos migalhas de afeto e aprovação nas mãos dos outros, por disputar o mesmo "osso". Tal dependência, sem dúvida, é sofrimento.

Tendo atingido a única independência real – a da alma – um Mestre por certo não se desmanchará em lágrimas pelo sofrimento da humanidade. Sabendo que todo sofrimento é transitório, além de mecanismo de resgate do Carma e também de consciência – caso o aceitemos como uma lição da vida – um Mestre vive sua própria quota de autossacrifício pela renúncia ao nirvana em favor da humanidade, às vezes até voltando a um corpo físico quando já liberto das ilusões que nos sustentam nesse corpo. O que é isso, senão infinito amor?

Assim, ao juntar a compaixão com o amor, o Dalai Lama nos aponta a raiz desse sentimento sublime, que nada tem a ver com sentimentalismo ou com as manifestações de impotência do ego. Ao contrário, é a eclosão da potência do Amor, com seu atributo de agigantar o coração compassivo. Nesse particular, a compaixão tem o toque especial do autossacrifício, dedicando atenção particularmente aos mais necessitados. Por isso, na parábola da “ovelha perdida”, o pastor deixa em segurança suas ovelhas e sai em busca da que se perdeu.

"A compaixão tem pouco valor se permanece uma idéia; ela deve tornar-se nossa atitude em relação aos outros, refletida em todos os nossos pensamentos e ações”, diz ainda o Dalai Lama. Como “atitude em relação aos outros”, ela deveria permear tudo que fazemos. Numa discussão, por exemplo, renunciar à ânsia de “ganhar” ou "ter razão" – típica do ego – pode ser um ato de compaixão.  Assim, em dado momento, todos nós podemos exercê-la ou sermos dignos dela.

Também é possível que, ao tentar realizar um serviço desinteressado, a água suja de nosso vaso de cristal obscureça o trabalho, revelando a marca do ego. Nesse caso, o que fazer, além de contar com a compaixão dos que nos cercam? Voltar à carapaça do ego, cedendo ao seu império? A saída talvez seja, antes de tudo, reconhecer a imperfeição e aí submetê-la ao altar do Deus Interno, pois o ego é incapaz de matar a si mesmo. Apenas o maior em nós pode superar o menor. Depois disso, seguir em frente. Ainda que pequenino e imperfeito, nosso esforço pode estar contribuindo para reduzir o oceano da indiferença e falta de compaixão no mundo.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência (www.uniconsportal.org.br).

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