quinta-feira, 26 de abril de 2012

Carma: o preço do livre-arbítrio


Walter S. Barbosa[1]
Temos liberdade para agir no mundo. Isso é o livre-arbítrio. Em contrapartida, colhe-se o que se planta, um preço justo para aquela liberdade. Dessa forma, o livre-arbítrio se insere no contexto da Lei do Carma.
           
A obrigação da colheita é que legitima o livre-arbítrio, não deixando que ele se torne um roubo ou desequilíbrio na economia universal. Aceitar o Carma é, portanto, um indicador de maturidade espiritual. Não aceitar é só mais um ato de inconsciência.
           
Há castigo no Carma? Não há. Essa colheita acompanha o movimento da mão do lavrador ao atirar a semente no solo. A brotação fatalmente virá. Não depende de ninguém, pois está embutida na semente. Por sua vez, a reação cármica sucede a ação do plantio, alimentando-se do desejo, da nossa expectativa de obter algo no “vir-a-ser”.
             
Agimos segundo a consciência, mas obedecendo ao padrão de energia em nossos corpos. Onde obtivemos esse padrão? Pelos pensamentos constantes. Os elevados geram formas radiosas no mundo mental, viabilizando emoções belas e ações puras.
           
Nossas ações em algum momento podem ser distorcidas, mas a energia por trás delas não é boa nem má. É sempre neutra, como a pedra que o escultor utiliza, podendo criar belas figuras ou não. Igualmente, as leis divinas não são boas nem más.
           
Assim como o Carma é o preço do livre-arbítrio, o poder é a recompensa, seja ele mundano ou divino. Como podemos um dia despertar o Cristo em nós, segundo Paulo, sem tomar decisões? Sem experimentar as conseqüências do livre-arbítrio? Por isso diz o Cristo “Toma tua cruz e segue-me” - e não, “Passa-me tua cruz que a levarei”.
           
Origem de tantos conflitos, o livre-arbítrio é a ponte para o poder. É a possibilidade que temos de enfrentar os elementos do nível físico (água, ar, fogo e terra), representando forças que hoje nos dominam. Esse é o berço da ira, da inveja, do ciúme, da gula e da idéia de separatividade, cujo trono é o orgulho. Cada defeito vencido é acréscimo de poder. Assim, o livre-arbítrio é a própria raiz da paternidade divina.
           
Sem tentação não há prova, sem prova não há crescimento. Mais de uma vez podemos ter ouvido ou pronunciado a frase: “Por que Deus já não fez tudo certinho?” Simbolicamente, isso acontecia no Paraíso antes da expulsão, assinalando as primeiras duas raças humanas. Se um de nós fosse colocado lá, por acaso seria feliz? Quantas vezes por minuto contestaríamos a proibição de comer o fruto da árvore proibida?
           
Em seu nascimento, o poder liga-se à possibilidade de contestar, de achar que se pode fazer melhor, como ocorre nos primeiros passos do jovem fora de casa, buscando superar o jugo paterno. Desobedecendo as ordens divinas, a resolução do “casal original” ocorre tão somente porque o poder do Pai está em germe nos filhos.
           
O ego - esse eu “pecador” - é a projeção de Deus no mundo, experienciando-o, degustando-o, conhecendo cada uma de suas fibras. Só assim o ego pode entronizar o mundo e colocá-lo nas costas como a “bagagem do Filho Pródigo”.
           
O poder mundano é baseado no domínio sobre os outros (que estes em geral consentem, valorizando o objeto em disputa). O grande salto dele para o poder divino se dá quando abrimos mão do transitório em favor do eterno. Não há qualquer disputa em torno disso. Assim, a opção do sábio é sobretudo um ato de inteligência, significando uma crescente sensação de paz pelo simples abandono das conquistas terrenas.
           
Se o livre-arbítrio é a ponte em direção ao poder, o Carma é o alicerce dessa ponte, nos tornando conscientes e responsáveis por nossos atos. Verdadeiramente divinos.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.

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