quinta-feira, 26 de abril de 2012

Agenda Oculta



Nelly Beatriz M. P. Penteado[1]
Uma agenda oculta contém coisas que você sente e pensa em relação a uma pessoa mas não lhe diz, por vários motivos: ou para não perder a simpatia dela (e para que ela continue tendo uma boa imagem sua, e continue apoiando você), ou para não lhe dar a chance de rebater uma acusação sua, para ter um trunfo nas mãos contra ela, uma razão que diga que você está certo em não gostar dela (apesar de você nunca lhe dizer isso e nunca lhe dar a oportunidade de se modificar naquele aspecto). Contém também intenções secretas que podem existir em seus comportamentos.

Entre marido e mulher, é muito comum que, ao longo dos anos, um deles (ou ambos) tenha uma agenda oculta, constituída de mágoas, sentimentos negativos que jamais são revelados, mas através dos quais travam-se batalhas silenciosas, inconscientes.

As agendas ocultas afastam as pessoas, porque geram insegurança naquele que percebe que o outro não está totalmente no relacionamento, está como que "com um pé atrás".

Apesar de o conteúdo de uma agenda oculta não ser revelado, ele é pressentido, "intuído", através da observação da comunicação não verbal do outro: seu tom de voz, seu olhar, seus gestos, sua expressão, etc. Esta comunicação não verbal provém do inconsciente de quem fala (de quem possui a agenda oculta) e é percebida e interpretada pelo inconsciente de quem a recebe. Quem a recebe sente insegurança, angústia, rejeição, medo ou ansiedade, mas não sabe explicar por quê, ou apenas tem uma vaga percepção de que o outro está experimentando algo que não está sendo expresso verbalmente.

É quando alguém pergunta: "O que você tem?", e ouve: "Eu não tenho nada, estou ótimo", dito num tom de voz ríspido. Ou: "O que eu fiz a você para que me tratasse de forma tão agressiva?", e o outro diz: "Mas eu não fui agressivo...", com uma expressão furiosa.

Por medo, o outro é obrigado a se proteger e a se afastar também. O relacionamento perde a espontaneidade, como se as pessoas estivessem sempre em guarda, envolvidas nele apenas pela metade.

Uma pessoa com uma agenda oculta suga muita energia da outra, que passa a lhe devotar maior atenção tentando saber o que se passa na cabeça dela. Além de consumir sua energia, faz com que o relacionamento se deteriore.

Como o marido que chegou em casa e encontrou a esposa com uma expressão angustiada. Na verdade, a esposa está se sentindo só, e talvez gostasse que o marido a convidasse para um passeio, mas não lhe diz isso justamente para que o marido fique lhe perguntando ansiosamente sobre o que está acontecendo. Ela se sente bem com a preocupação do marido e com a atenção que ele lhe dispensa (a energia que ele lhe dirige). Já o marido, acaba ficando desanimado, com pensamentos derrotistas, ou então fica se sentindo culpado pelo estado da esposa .

Ou então aquela pessoa que não esquece um incidente desagradável do passado, que guarda a mágoa como trunfo contra o outro. Ela não diz nada a respeito, mas sua expressão revela a mágoa. Isso pode gerar sentimentos de culpa no outro, que acaba sentindo necessidade constante de reparar o mal cometido, como se fosse uma dívida eterna.

O que se nota em relacionamentos deste tipo é que não existe troca, envolvimento. Um está querendo só receber, e à força, arrancando do outro o que quer, e não querendo lhe dar nada em retribuição. É uma batalha inconsciente, em que quem perde a batalha perde também a energia investida por ambos, como num jogo.

Há muitas batalhas que são travadas inconscientemente, ou pelo menos, de forma subliminar, de forma velada. As pessoas acabam entrando nestas disputas, nestes jogos. Reflita: além da energia que é sugada do derrotado, o que mais se ganha?

Penso que no fundo esta necessidade de vencer e dominar sirva apenas e tão somente para diminuir a própria insegurança e impotência. Porque quando vence outro, o indivíduo se sente forte (energizado) e nega sua própria fraqueza.

Note que sempre que você trava uma batalha com alguém em sua cabeça, a outra pessoa pode perceber e entrar nela também. Porque existe uma comunicação inconsciente entre as pessoas, que é mediada pelos sinais não verbais (gestos, expressão, etc.).

Perceba como isto acontece no trânsito. Um motorista começa a tratar outro como se este fosse muito ruim ao volante, ou como se estivesse, por exemplo, andando devagar, ou na contra-mão, ou tentando ultrapassá-lo de propósito, só para irritá-lo, atrapalhá-lo. O outro motorista percebe e entra no jogo, sentindo raiva também, como quem diz: "Quem ele pensa que é? " O resultado pode ser desastroso para ambos. O que ambos querem é impor ao outro: "Eu sou bom, eu estou certo, você não" e também "Saia do meu caminho, não me atrapalhe".

Dentre as estratégias para lidar com situações como esta, você pode adotar a de não entrar no jogo. Para perceber este tipo de jogo, observe como se sente. Quando perceber que está se sentindo sugado, cansado, "lutando", que não se sente bem consigo mesmo, mude seu comportamento. Pare o que estava fazendo e mantenha-se tranqüilo, recusando-se a tomar parte na disputa, na batalha, direcionando sua mente para outros estados internos, para outros sentimentos.

Melhor seria se todos nós aprendêssemos a nos relacionar com as pessoas de forma integral, transparente, com base naquilo que o outro realmente é, de forma que houvesse troca (de afeto, experiências, energia, etc.) e enriquecimento para ambos, ao invés de disputas em que se tenta extrair à força o que se deseja, ou nas quais se procura aniquilar o outro.



[1] Psicóloga e Master Practitioner em Programação Neolinguística (PNL).

Sociedade da inveja: como estar nela sem ser dela?



Walter S. Barbosa[1]
Referindo-se ao dilema de viver em sociedade, com suas exigências centradas no ego, no prazer, no consumo, enquanto talvez tenhamos metas de crescimento contrárias – voltadas para o Ser e não para o “acumular” – a teósofa Radha Burnier[2] disse certa vez que deveríamos estar no mundo sem ser do mundo.

Estar no mundo é essencial como a grande escola da vida. É nele que a evolução se acelera, que a vontade cria corpo ao enfrentar a resistência, ausente no “plano espiritual”.

Esse mundo pode ser definido como a “sociedade da inveja”, da comparação, da disputa por bens, baseando-se no consumo até como meta governamental. O lucro, por sua vez, é o pilar desse sistema, o que parece inevitável ante o naufrágio da proposta de Marx. Os que duvidam disso estão apenas se agarrando aos destroços que sobraram.

Por sinal, a terrível burocracia implantada nas sociedades comunistas – no sentido de controlar e estimular a produção sem a figura do lucro pessoal – deixa evidente o quanto estamos longe da possibilidade de esforço sem recompensa, ainda que indireta.

Não havendo, por outro lado, um elemento dosador para essa recompensa no sistema capitalista, nada há que possa colocar freios na ambição a não ser o limite do consumo, que é então estimulado ao extremo. Daí o caos, a poluição e o desequilíbrio em todo lugar do planeta atingido pelo homem. Este, por sinal, já há algum tempo estende o olhar para as estrelas quiçá imaginando opções de fuga, levando junto sua “caixa de Pandora”.

Caso desejemos nos inteirar da “sociedade da inveja”, basta olhar com alguma frieza o televisor ou os outdoors. Os paradigmas de felicidade mostrados em todo canto – incluindo ídolos embalados no uso de entorpecentes – não deixam dúvidas. No lado oposto, jovens estimulados à imitação e a levar vantagem no modelo viciado do “castigo e recompensa” (base da “Teoria do reflexo condicionado”), só fazem resvalar na goela da inconsciência, onde até a religião pode se tornar objeto de consumo. 


De que maneira se pode estar nesta sociedade sem ser dela? A resposta deve ser buscada num parâmetro situado além. “Meu reino não é deste mundo” disse o Cristo. Porém, mesmo os que dizem querer o reino acabam preferindo as benesses do mundo.

Como base de tais benesses, estão o conforto e a alegria. Conforto certamente é bom. O progresso – em especial, o que reduz doenças – é bem-vindo. Por outro lado, a alegria é fundamental para a vida. Na jornada espiritual, o vigor e o entusiasmo devem estar presentes – fazendo com que nos tornemos o próprio caminho – surgindo o tropeço, o desânimo, a dúvida, apenas quando resistimos a ele. Assim, tomemos o conforto e a alegria como ajuda para refletir, do ponto de vista mais amplo do Yoga.

Em tal perspectiva, a simplicidade é o elemento dosador do conforto, evitando que este seja buscado como um fim em si mesmo, gerando a inveja, o consumismo, a poluição e outras desgraças no mundo. A alegria, por sua vez, é vista como contentamento – cujo significado é “autossuficiência” – e não como o prazer que esgota toda a criatividade humana no sexo. Tal condição obviamente só pode ser atingida na simplicidade. Aí se fecha a matemática infalível do Yoga na busca do autoconhecimento: só quem se conhece pode realmente ser simples, só quem é simples pode ser feliz.

Algo muito distante da “sociedade da inveja”? Pode ser. Mas é talvez o único antídoto para seu veneno. É a maneira de podermos estar no mundo sem ser do mundo.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
[2] Presidente Internacional da Sociedade Teosófica, em Adyar, Chennai, Índia.


“Ame e faça o que quiser”



Adilson Yamashita Lopes[1]
Quando Santo Agostinho escreveu esta maravilhosa frase, a palavra Amor não havia sido ainda profanada, e destituída de sua sublime beleza e significado.

Nestes séculos que nos separam, não só a palavra Amor, mas tudo que é sagrado foi corrompido, banalizado e vulgarizado em nossa sociedade “moderna”, desumana e consumista, onde tudo é descartável, inclusive as pessoas.

Num certo sentido, nós involuímos. Acontece hoje uma degenerescência generalizada. É parte do Plano, do processo pelo qual precisávamos “passar”. A corrupção alcança hoje, níveis epidêmicos (não só no Brasil). Tudo está desmoronando. A moral, os costumes. O interessante é que nós não percebemos! Lentamente vamos nos deixando corromper.

Há 50 anos, quando eu era criança, muito raramente havia grades ou muros cercando as casas, e as portas das casas ficavam destrancadas, na maioria das vezes, em são Paulo onde morava – havia menos crimes e menos medo. – Porque será? Parece que havia menos bandidos! Havia bem menos cadeias também, e elas não estavam tão superlotadas!

Estamos sendo testados muito mais profundamente hoje do que no passado. Havia um respeito em relação às pessoas mais velhas, que os jovens de hoje não tem nem como imaginar. Havia um atitude muito mais respeitosa para com todos. Uma professora desfrutava de um respeito quase “divino”.

Imagino então, o “peso” que esta palavra (Amor) tinha, há muitos séculos.
Certamente, a palavra amor, para Santo Agostinho, não tinha este significado vulgar e banal, como hoje a empregamos. Se na época de Santo Agostinho, a palavra amor fosse utilizada tão impropriamente quanto hoje, quando dizemos, por exemplo, “fazer amor”, quando na verdade queremos dizer “fazer sexo”, certamente o Santo não teria escrito esta frase.

A Sacralidade do Amor é infinitamente superior e inadmissivelmente comparável à função instintiva do sexo. Não estou dizendo que o sexo não seja digno, mas apenas que não tem nada a ver com Amor. Qualquer besta animal faz sexo, mas só Almas sublimes são capazes de Amar verdadeiramente.

Este amor possessivo a que hoje nos referimos, de amor não tem absolutamente nada, certamente não tem nada a ver com o que Jesus, por exemplo, queria exprimir quando empregou a palavra Amor nos exortando: “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado”.

Então, quando citei esta frase de Santo Agostinho no texto publicado a pouco, por favor, entendam que é neste sentido sublime original, que a empreguei.

Aquele que puder Amar verdadeiramente no sentido sublime original, pode, também, fazer o que quiser. Sim, pois só uma Grande Alma é capaz de Amar Verdadeiramente e, uma Grande Alma “sabe” conduzir-se com Sabedoria e profundo respeito por tudo e por todos. Exatamente por conta disto é que pode fazer o que quiser.
Àquele que Ama verdadeiramente, neste amplo e sublime sentido original, os Portões dos Céus estarão sempre abertos, não importa o que ele faça! Pois não é o que fazemos que nos condena ou nos redime, mas a intenção por trás de nossos atos.

Namastê!


[1] Membro da Sociedade Teosófica no Brasil.