Walter Barbosa(*)
Por razões várias
podemos afirmar: somos prisioneiros de nós mesmos. É a prisão mais ingrata de
todas, pois não admite fuga. Onde está? No coração que pode abranger o universo
e na mente que pode percorrê-lo mais rápido que a luz. Por que nos prendem?
Coração e mente
são caminhos para Deus. Crescemos neles em liberdade e plenitude à proporção que
superamos a reatividade da mente e os apegos do coração. Isso significa
trabalhar suas energias. Mais especificamente, os hábitos que as sustentam.
Como plataforma
da consciência a mente é movimento puro, levando ao espírito a face real das
coisas, permitindo a livre expressão da verdade. De outro modo, estagnada por lembranças
e preconceitos, a mente dá corpo à mentira que a reatividade encobre. Já o
coração é uma potência intuitiva soberana, sem partidos, reduzindo a pó os
contrários que se abraçam. Apegado, porém, é unilateral e cego, incapaz de discernimento.
Reatividade e
apego são garras do esquema de segurança do ego, em torno de seus tesouros, vivendo
nos arquivos mentais e memórias energéticas de nossos corpos. São reflexos do
passado, sacrificando o presente. Daí o esforço necessário para qualquer
mudança em nossa vida, especialmente quanto à mais abrangente de todas – a
jornada espiritual – como trabalho consciente e persistente. O único que produz
resultados.
Um indicador
óbvio para a eficácia desse esforço é nosso comportamento diário, já que o
espírito – nós mesmos – não está separado de nossa atuação no mundo, seja como
pais, empregados, maridos ou esposas. Se o comportamento não muda é porque o
esforço não passa de um propósito vago. Podemos seguir vida afora satisfeitos
com isso.
Quem começa um
treinamento físico, por exemplo, sabe que de início os obstáculos parecem
intransponíveis, pela necessidade de romper os hábitos físicos e mentais instalados.
Essa acomodação escorrega cada vez mais para a imobilidade, em razão das forças
que governam a matéria. Porém, se o esforço aumenta em intensidade, logo chega
o momento em que ele não é mais necessário, pois deu lugar a um novo hábito.
Matéria é
energia. No ponto mais baixo de sua estagnação (tamas em sânscrito), nossos corpos repelem qualquer movimento,
resultando na incapacidade para trabalhar, pensar e até para sentir além do
puramente instintivo. Talvez os processos depressivos sejam um reflexo dessa
estagnação gradual, gerada na inflexibilidade e falta de aceitação dos
movimentos da vida, especialmente em relação ao amor.
Enquanto a
reatividade é estagnação da mente, prendendo o rio da vida em conceitos do
passado, os apegos refletem a estagnação do amor, fazendo das pessoas um
objeto. Sob esses dois venenos, a vida se torna um hábito. Daí, até que possamos
navegar nas águas puras e luminosas do Ser, grandes e pequenas renúncias terão
que vir antes.
Renunciar a quê?
Justamente àquilo que provoca dor e morte, abrigando-se, porém, no disfarce do
prazer e da vida. São hábitos feitos de energias psicologicamente duras,
pegajosas, como egoísmo, ciúme, maledicência, inveja e sensualidade, ocultas na
rotina do pensamento e do sentimento. Sem falar no orgulho, como trono do ego. Mais
fáceis de largar devem ser as energias dos vícios físicos, dependentes de compra
e consumo.
Renunciar a um
comportamento é deixar um padrão energético, com a reatividade e apego
correspondentes. Ao arrancarmos esse pedaço de nós sobrevém uma sensação de
paz, a “fé que remove montanhas”, pela entrada de uma energia mais elevada no espaço
da que se foi (“a natureza detesta o vazio”, diz Helena Blavatsky).
Não estando
perceptivos das energias, mas em certa medida dos hábitos, é neles que podemos
atuar. Daí a definição de Yoga – “eliminação do centro de reações da mente” – segundo
Patanjali. Em essência, isso significa “eliminação do centro dos hábitos”, indo
à raiz do problema.
Iniciamos,
porém, trabalhando aqueles mais densos e prejudiciais como roubo, mentira e violência
em todos os níveis, pondo no lugar pensamentos e atos de doação, veracidade e brandura,
cuja vibração sutil, onipenetrante, alcança o mundo. Assim, nossos corações e
mentes aos poucos se expandem no berço das energias de luz, abrindo-se para a
liberdade, para o Ser.
(*) Membro da
Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
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