quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Hábitos: a prisão que carregamos nas costas


Walter Barbosa(*)
Por razões várias podemos afirmar: somos prisioneiros de nós mesmos. É a prisão mais ingrata de todas, pois não admite fuga. Onde está? No coração que pode abranger o universo e na mente que pode percorrê-lo mais rápido que a luz. Por que nos prendem?

Coração e mente são caminhos para Deus. Crescemos neles em liberdade e plenitude à proporção que superamos a reatividade da mente e os apegos do coração. Isso significa trabalhar suas energias. Mais especificamente, os hábitos que as sustentam.

Como plataforma da consciência a mente é movimento puro, levando ao espírito a face real das coisas, permitindo a livre expressão da verdade. De outro modo, estagnada por lembranças e preconceitos, a mente dá corpo à mentira que a reatividade encobre. Já o coração é uma potência intuitiva soberana, sem partidos, reduzindo a pó os contrários que se abraçam. Apegado, porém, é unilateral e cego, incapaz de discernimento.

Reatividade e apego são garras do esquema de segurança do ego, em torno de seus tesouros, vivendo nos arquivos mentais e memórias energéticas de nossos corpos. São reflexos do passado, sacrificando o presente. Daí o esforço necessário para qualquer mudança em nossa vida, especialmente quanto à mais abrangente de todas – a jornada espiritual – como trabalho consciente e persistente. O único que produz resultados.

Um indicador óbvio para a eficácia desse esforço é nosso comportamento diário, já que o espírito – nós mesmos – não está separado de nossa atuação no mundo, seja como pais, empregados, maridos ou esposas. Se o comportamento não muda é porque o esforço não passa de um propósito vago. Podemos seguir vida afora satisfeitos com isso.
             
Quem começa um treinamento físico, por exemplo, sabe que de início os obstáculos parecem intransponíveis, pela necessidade de romper os hábitos físicos e mentais instalados. Essa acomodação escorrega cada vez mais para a imobilidade, em razão das forças que governam a matéria. Porém, se o esforço aumenta em intensidade, logo chega o momento em que ele não é mais necessário, pois deu lugar a um novo hábito.
           
Matéria é energia. No ponto mais baixo de sua estagnação (tamas em sânscrito), nossos corpos repelem qualquer movimento, resultando na incapacidade para trabalhar, pensar e até para sentir além do puramente instintivo. Talvez os processos depressivos sejam um reflexo dessa estagnação gradual, gerada na inflexibilidade e falta de aceitação dos movimentos da vida, especialmente em relação ao amor.  
           
Enquanto a reatividade é estagnação da mente, prendendo o rio da vida em conceitos do passado, os apegos refletem a estagnação do amor, fazendo das pessoas um objeto. Sob esses dois venenos, a vida se torna um hábito. Daí, até que possamos navegar nas águas puras e luminosas do Ser, grandes e pequenas renúncias terão que vir antes.
           
Renunciar a quê? Justamente àquilo que provoca dor e morte, abrigando-se, porém, no disfarce do prazer e da vida. São hábitos feitos de energias psicologicamente duras, pegajosas, como egoísmo, ciúme, maledicência, inveja e sensualidade, ocultas na rotina do pensamento e do sentimento. Sem falar no orgulho, como trono do ego. Mais fáceis de largar devem ser as energias dos vícios físicos, dependentes de compra e consumo.
           
Renunciar a um comportamento é deixar um padrão energético, com a reatividade e apego correspondentes. Ao arrancarmos esse pedaço de nós sobrevém uma sensação de paz, a “fé que remove montanhas”, pela entrada de uma energia mais elevada no espaço da que se foi (“a natureza detesta o vazio”, diz Helena Blavatsky).
            
Não estando perceptivos das energias, mas em certa medida dos hábitos, é neles que podemos atuar. Daí a definição de Yoga – “eliminação do centro de reações da mente” – segundo Patanjali. Em essência, isso significa “eliminação do centro dos hábitos”, indo à raiz do problema.

Iniciamos, porém, trabalhando aqueles mais densos e prejudiciais como roubo, mentira e violência em todos os níveis, pondo no lugar pensamentos e atos de doação, veracidade e brandura, cuja vibração sutil, onipenetrante, alcança o mundo. Assim, nossos corações e mentes aos poucos se expandem no berço das energias de luz, abrindo-se para a liberdade, para o Ser.
(*) Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.

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