Walter da Silva Barbosa[1]
Vivendo
os últimos dias no corpo físico, para os pacientes da enfermeira Bronnie Ware
não havia mais a preocupação com posses, ou o desejo de agradar os outros a fim
de obter recompensas. No aqui e agora enfim descoberto, restava apenas o anseio
de recolher no coração as dádivas do “abc” do amor – o carinho dos parentes e
amigos – manifestando o pesar de terem dado pouca atenção a esse lado da
existência humana, onde a consciência obtém os frutos mais significativos e
mais doces.
Aproximando-se
o fim, o ego perde a majestade. Habitualmente nutrindo-se das diferenças
criadas pela mente – em busca de mais destaque – ele se encolhe nesse momento
especial querendo reencontrar as afinidades do coração. Descobre então que o
único bem de valor, secundarizado no tropel da vida, foi justamente o que
conseguiu cultivar à margem do interesse mesquinho, da esperteza disfarçada de
inteligência, da possessividade com rótulo de afeto.
Um
dos papéis extraordinários do crepúsculo que antecede o abandono do corpo –
iniciando com a velhice – é ajudar-nos a abrir os olhos para a vida. Muitos
naturalmente ainda se debatem por muito tempo, rejeitando a lição. Esticando as
peles ou recorrendo a afrodisíacos, procuram deter a fuga da beleza aparente,
quando poderiam despertar para as alegrias perenes da alma. No olhar de alguns
idosos pode-se apreciar essa mudança, irradiando serenidade e aceitação, a
certeza de uma plenitude que só existe por não depender da fragilidade da
carne.
“A
sabedoria de viver é morrer um pouco a cada dia” diz Eckhart Tolle[2].
Que morte é essa? Da idéia de separatividade, que alimenta o medo, que se opõe
ao amor.
Obviamente,
separatividade e amor não combinam. Um tende a matar o outro, significando a
essência do conflito que carregamos ao longo da vida. Ansiamos pelo amor, pela
entrega, que representa – na impermanência de tudo – a única segurança possível
pela renúncia à própria segurança. Simultaneamente tememos o amor, dando força
àquilo que nega sua expressão: nosso pequenino eu mental, o ego, vivendo em
castelos edificados com areia retirada de sua própria sepultura.
Na
dinâmica dos casais o anseio de união, de cumplicidade, entra em choque com o
desejo de manter a integridade do pequeno eu. E com ele, o direito de não ser o
outro, de ter uma história da qual cada um pode se orgulhar, revivendo-a
mentalmente ou contando aos outros. Esforço inútil. Apenas nos iguala à
multidão – o rebanho da inconsciência, a manutenção do medo, a negação do amor.
Amor,
porém, “é tudo que resta nos dias
finais”. Na essência, ele significa justamente a capacidade de ser o outro.
Aquilo que, como verdadeira comunhão, sobrou das amizades ou do sexo na vida do
casal. Na educação dos filhos, aquilo que foi além da preocupação instintiva
com sucesso, roupa ou comida, valorizando a dimensão do Ser. A ausência dessa
dimensão – como atenção verdadeira no processo educativo – pode estar na base
da rebeldia e frustração dos jovens, não se vendo compreendidos em sua
verdadeira natureza, como lembra Eckhart Tolle.
Nos
ensinamentos de Ramakrishna consta que certa vez, diante de uma pessoa
chicoteada, as marcas do chicote surgiram no corpo dele. Esse é o amor elevado
à potência da sublimidade. Não podendo igualá-lo, que consigamos ao menos tê-lo
como inspiração para as atitudes do dia a dia, anulando ou diminuindo
arrependimentos na proximidade do fim (até porque, somente o corpo está sujeito
a esse destino).
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