quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Superproteção no lar: força ou desestímulo?


Walter S. Barbosa[1]
No texto intitulado “Meu filho, você não merece nada”, a jornalista e escritora Eliane Brum questiona uma prática que tem distorcido a visão de mundo dos jovens de hoje: a de que eles merecem tudo aquilo que seus pais não puderam ter. Nada de errado em possuir coisas. O problema é deixar que elas nos possuam – assumindo o significado da vida – e ainda habituar-nos à ideia de conquistá-las pelo esforço alheio.

Diz Eliane: “Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor”.
           
O respeitado psiquiatra e conferencista Içami Tiba chama de “parafusos de geléia” esses jovens despreparados para a vida, sob a proteção de figuras paternas frágeis e mães hipersolícitas. “Se levam um apertão, espanam. Não agüentam ser contrariados. Não foram educados para suportar o não”, diz Tiba[2].
           
Um fator agravante está na realidade dos pais separados, nutrindo culpa e receio de perder o amor dos filhos na competição com o ex-cônjuge (amor que se perde é amor?). Vista como patrimônio, a guarda judicial é um ingrediente a mais no jogo do ter. Daí a fragilidade desse amor, em especial no lado dos filhos. São eles retributivos ou, pelo contrário, tornam-se exigentes e arrogantes, com uma visão enganosa das regras da vida?
           
Tiba associa o desenvolvimento da autoestima nos jovens à aptidão para superar obstáculos, o medo e outros limites pessoais. Tal oposição é o degrau que o mundo oferece como um cirurgião que parteja o Ser. Faltando ele, o que sobra? A desorientação e falta de amor-próprio que a arrogância encobre? O autodesprezo do sexo nas esquinas, do apelo às drogas e outras opções destrutivas, incluindo a delinqüência?
             
“Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil”, argumenta Eliane.
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Em busca de respostas, ela pergunta: “Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam felizes. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues, sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade. É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço?”.
           
O resultado disso “É pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais, sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa”.
           
Em si, “ter” é o fundamento do egoísmo. Ao embasar nele a aspiração para os filhos, os pais nada recebem de volta, inclusive carinho, porque “já têm tudo”. Queixam-se de não alcançar, porém, aquilo que gostariam – mas não estimularam: vê-los participar do jogo da vida com maturidade, respeito e amor. Algo que apenas o Ser pode dar.


[1]Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência
[2] TIBA, Içami. “Quem ama, educa”, editora Gente.

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