Walter S. Barbosa[1]
No texto intitulado “Meu filho,
você não merece nada”, a jornalista e escritora Eliane Brum questiona uma prática
que tem distorcido a visão de mundo dos jovens de hoje: a de que eles merecem
tudo aquilo que seus pais não puderam ter. Nada de errado em possuir coisas. O
problema é deixar que elas nos possuam – assumindo o significado da vida – e
ainda habituar-nos à ideia de conquistá-las pelo esforço alheio.
Diz Eliane: “Ao conviver com os
bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que
estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração
mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de
vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações.
Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada
porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens
protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E
por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu
com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor”.
O respeitado psiquiatra e
conferencista Içami Tiba chama de “parafusos de geléia” esses jovens
despreparados para a vida, sob a proteção de figuras paternas frágeis e mães hipersolícitas. “Se levam um
apertão, espanam. Não agüentam ser contrariados. Não foram educados para
suportar o não”, diz Tiba[2].
Um fator agravante está na
realidade dos pais separados, nutrindo culpa e receio de perder o amor dos
filhos na competição com o ex-cônjuge (amor que se perde é amor?). Vista como patrimônio,
a guarda judicial é um ingrediente a mais no jogo do ter. Daí a fragilidade desse amor, em especial no lado dos
filhos. São eles retributivos ou, pelo contrário, tornam-se exigentes e
arrogantes, com uma visão enganosa das regras da vida?
Tiba associa o desenvolvimento da
autoestima nos jovens à aptidão para superar obstáculos, o medo e outros
limites pessoais. Tal oposição é o degrau
que o mundo oferece como um cirurgião que parteja o Ser. Faltando ele, o que sobra?
A desorientação e falta de amor-próprio que a arrogância encobre? O autodesprezo
do sexo nas esquinas, do apelo às drogas e outras opções destrutivas, incluindo
a delinqüência?
“Há uma geração de classe média
que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior
e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que
seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil”, argumenta
Eliane.
.
Em busca de respostas, ela pergunta:
“Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um
questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente
hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma
espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir
que os filhos sejam felizes. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos
filhos e protegê-los de todos os perrengues, sem esperar nenhuma
responsabilização nem reciprocidade. É como se os filhos nascessem e
imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos
é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é
importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas
premissas básicas do viver, a frustração e o esforço?”.
O resultado disso “É pais e
filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E,
portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de
desencontros anunciados. E mais, sofrem porque precisam fingir que existe uma
vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido
para alcançar não a frustração que move, mas
aquela que paralisa”.
Em si, “ter” é o fundamento do
egoísmo. Ao embasar nele a aspiração para os filhos, os pais nada recebem de
volta, inclusive carinho, porque “já têm tudo”. Queixam-se de não alcançar,
porém, aquilo que gostariam – mas não estimularam: vê-los participar do jogo da
vida com maturidade, respeito e amor. Algo que apenas o Ser pode dar.
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