Thich Nhat Hanh[1]
Muita alegria e felicidade vêm de
sair ou deixar algo para trás. Suponha que você está sofrendo com o barulho,
poluição e estresse da cidade. É sexta-feira de tarde e você quer sair. Você
entra no seu carro e dirige. Uma vez que está no campo com bonitas árvores, céu
azul e o canto dos pássaros, você sente alegria. A alegria que você experimenta
de estar no campo nasceu de ter abandonado a cidade, de ter deixado algo para
trás.
Há muitas coisas que não somos
capazes de deixar para trás, que nos prendem. Pratique olhar em profundidade
para essas coisas. No começo, pode achar que elas são vitais para sua
felicidade, mas elas podem, na verdade, serem obstáculos para sua verdadeira felicidade,
causando seu sofrimento. Se você não está feliz por que está preso nelas,
deixá-las para trás será fonte de alegria para você. O Buda e muitos de seus
discípulos experimentaram isso, e passaram sua sabedoria para nós. Por favor,
olhe para as coisas que você acha necessárias para o seu bem estar e felicidade
e descubra se elas te trazem felicidade ou estão quase te matando.
Um dia o Buda estava sentado com
um grupo de monges na floresta perto de Sravasti. Eles haviam acabado de
almoçar e estavam em uma pequena palestra de Dharma. De repente um fazendeiro
se aproximou. Estava visivelmente chateado e gritou, “Monges! Vocês viram
minhas vacas?”. O Buda disse, “Não vimos nenhuma vaca.”
“Sabem monges” – o homem disse –
“eu sou a pessoa mais miserável na Terra. Por alguma razão minhas doze vacas
fugiram esta manhã. Eu tenho apenas dois acres de plantação de gergelim e este
ano os insetos comeram todas as plantas. Penso que vou me suicidar.” O
fazendeiro estava realmente sofrendo. Cheio de compaixão o Buda disse: “Não
senhor, não vimos suas vacas. Talvez você deva procurá-las em outro lugar”.
Quando o fazendeiro se foi, o
Buda virou para seus monges, olhou para eles profundamente, sorriu e disse:
“Queridos amigos, vocês sabem que são as pessoas mais felizes do mundo. Vocês
não têm vacas para perder”. [risos]
Portanto amigos, se vocês têm
vacas, olhem profundamente para a natureza delas para ver se elas estão
trazendo felicidade ou sofrimento. Vocês deveriam aprender a arte de soltar
suas vacas. A chave é deixar ir e libertar a si mesmo. Um monge ou monja
deveria apenas ter três robes e uma tigela, porque liberdade é a posse mais
valorosa.
Há um poema
que descreve o Buda deste modo: “O Buda é como a lua cheia velejando através do
céu vazio.” O Buda tinha muito espaço ao seu redor porque ele não possuía nada.
Ele não tinha nenhuma vaca. Por isso sua felicidade era imensa. Os monges e
monjas que o seguem hoje deveriam seguir seu exemplo de não possuir nada, não
possuir muitas vacas. Conheço um monge que era muito ocupado tentando construir
um grande templo. Ele disse: “Antes de me tornar um monge, eu era muito
ocupado, e pensava que uma vez sendo monge, seria menos ocupado. Mas na verdade
estou mais ocupado que nunca”. Seu templo se tornou uma vaca. Quando ele disse
isso a um amigo, o amigo riu e perguntou: “Porque você não se torna um monge de
verdade?”
Liberdade é a base de nossa
felicidade. Não podemos ser felizes se estamos presos. Solidez e liberdade são
a base autêntica de nossa felicidade. É por isso que praticamos para
restabelecer nossa liberdade e criar espaço ao nosso redor. Também, quando você
ama e é amado, se não há liberdade, seu amor pode ser sufocante. Você não pode
ser livre com este tipo de amor que tira sua liberdade e não permite que você
seja você mesmo. Este tipo de amor não é autêntico; é uma vaca. Você deve achar
coragem de deixar suas vacas irem.
Valorizamos a liberdade. Como
monges e monjas, não podemos trocar nossa liberdade por nada – nem mesmo um
templo. Isto é felicidade real. Todos temos que olhar para a natureza de nossas
vacas e ver se elas nos fazem infelizes. Depois de meditar profundamente na sua
natureza, podemos tomar uma decisão. Quando fizermos a decisão correta,
ganharemos liberdade e experimentaremos uma felicidade incrível. Seremos muito
mais felizes que antes, e desfrutaremos do fato de termos sido capazes de
soltar nossas vacas.
Tenho um amigo na Alemanha que é
um executivo. Ele tinha muitas vacas. Ele participou de um de meus retiros e
adorou. Contudo, ele disse que não podia participar de um segundo retiro porque
tinha que ir a uma reunião em
Frankfurt. Eu disse: “Cuidado com suas vacas.” Aquela noite
ele foi embora para a reunião. Contudo, durante a meditação sentada do segundo
retiro, fiquei surpreso ao vê-lo na sala de meditação. Aproximei-me dele depois
da sessão e perguntei: “Porque você está aqui? Não foi a Frankfurt?”. Ele me
disse, “Thay, na metade do caminho eu comecei a soltar minhas vacas, fiz um
retorno e voltei para o retiro.” Eu disse, “Congratulações! Você é um bom
praticante, porque consegue facilmente soltar suas vaca”.
Estou certo de que cada vaca que
soltarem, aumentará sua liberdade e felicidade. Este é o tipo de alegria e
felicidade que o Buda recomenda.
Quando eu uso a palavra “vaca”,
seu primeiro significado é algo que você pensa que é essencial para sua
felicidade. É algo que você nunca questionou: uma posição na sociedade, um
negócio, um diploma, uma ideologia. Mas quando você consegue, parece que não
tem a felicidade que queria, e você continua a sofrer, mesmo se você tem suas
vacas. Nós somos convidados a praticar olhar em profundidade na natureza de
nossas vacas para ver se elas são realmente necessárias para nosso bem-estar e
felicidade. Se descobrirmos que é apenas uma vaca que cria mais ansiedade e
medo, então seremos capazes de deixá-la ir. É por isso que eu pedi a todos
vocês para olhar em profundidade e chamar suas vacas por seus verdadeiros
nomes.
Entre as vacas de meu amigo na Alemanha
que citei, havia algumas que pareciam muito espirituais. Ele era presidente de
muitas organizações budistas. Ele participava de muitas reuniões e fez muito
trabalho. Tomava muito de seu tempo e energia e causava a ele muito stress. Ele
não conseguia desfrutar de sua respiração, caminhada ou enquanto sentava. Ele
não se sentia feliz. Para ser feliz, ele tinha que liberar algumas de suas
vacas. Quanto mais vacas liberamos, maior será nossa liberdade e felicidade. É
isso o que quero dizer por vacas.
Talvez você tenha um trabalho,
mas acha que não é suficiente, então consegue um segundo trabalho. Você
trabalha depois da hora, pensando que precisa criar mais oportunidades para
aumentar sua riqueza e fama. Você fica preso neste modo de pensar por muito
tempo. Mas um dia você descobre que não é realmente feliz, e você realmente
quer felicidade. Você não quer perder sua energia em preocupações, raiva e
assim por diante. Você está determinado a liberar suas vacas.
Cada um de nós pode olhar profundamente,
identificar suas vacas e liberá-las. Uma vaca pode ser também uma ideologia ou
uma idéia de que temos bastante orgulho. Pensamos que somos alguém muito
especial se seguimos aquela idéia ou ideologia. Mas se, na verdade, não nos deu
felicidade verdadeira, é uma vaca que precisamos liberar.
Eu falei antes sobre um monge que
estava muito ocupado construindo um templo. Você poderia perguntar, “O que está
errado em um monge construir um templo?”. Quando ele estava construindo, ele se
preocupava tanto sobre o templo que não tinha tempo para praticar meditação
caminhando, respiração consciente, ou desfrutar, tocar o momento presente. Ele
estava sacrificando sua própria felicidade. Ele sacrificou a coisa mais
importante e se focou nas menos importantes.
Quando o monge reclamou a seu
amigo, seu amigo disse: “Por que você não se torna um monge verdadeiro? Um
monge de verdade é livre de vacas”. Portanto, mesmo um templo pode ser uma
vaca. Não significa que ele não deveria construir o templo, mas há modos de construir
templos sem transformá-los em vacas, e de forma que você se mantenha uma pessoa
livre. Se algo é uma vaca - ou não - depende de seu comportamento.
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