terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Sexo é pecado?


Walter da Silva Barbosa[1]
Tratando-se do mecanismo de reprodução da vida física – obedecendo ao “crescei-vos e multiplicai-vos” da palavra divina, segundo a Bíblia – é extremamente paradoxal a idéia de pecado genericamente ligada ao sexo. Sem ele a humanidade não existiria.
         
Contudo, seria a reprodução da espécie o objetivo real de nossa busca de relacionamento sexual, ou é pela satisfação inerente? A resposta é bastante óbvia. Mas se é pela satisfação que buscamos, no fundo também estamos correspondendo à “armadilha” colocada pela natureza, objetivando a reprodução. Tudo que é natural é sábio, é divino. A natureza oferece um prazer para obter o cumprimento de um dever. O problema surge apenas na administração que o ser humano faz disso, por meio do que nos acostumamos a chamar “livre-arbítrio”.
         
Somos livres? Todo homem que não se encontra restrito às quatro paredes de uma cela pensa que sim. Contudo, ele é prisioneiro de sua mente. Nela – como centro diretor do “ego”, o eu material – estão seus preconceitos, medos, impulsos cegos, tendências para a luz e para as trevas. Livres, de fato, são apenas os “iluminados”, porque transcenderam as imposições da vida elemental (consciência da matéria) dentro de si mesmos. Já se decidiram a ser apenas luz.
         
Na filosofia cristã, a idéia de pecado no sexo mistura-se com o estigma de impureza que se quer imputar à humanidade. O “Filho de Deus” é concebido “sem pecado” (alegoria ligada ao nascimento do Universo, assim como o dogma da “Virgem Maria”). Iniciando-se o drama da humanidade com a “expulsão do paraíso” e a perda da “conexão” com Deus (fruto da mente), o pecado de nossos progenitores – e nosso – se resumiria à gastronomia indevida sobre o “fruto proibido”. Indevida pelo mau uso, pela “luxúria”, pelas violações da natureza, porque a energia sexual é poder de criação e iluminação.
         
Quando não direcionada especificamente para a criação física, a energia expande-se para a criação artística, para a filosofia, a ciência, a realização espiritual. A energia é sempre a mesma. O que difere é o emprego que fazemos dela, gerando, para cada ser humano, um benefício maior ou menor em termos de consciência. Com a criação física (reprodução) gastamos, porém, o mínimo dessa energia. Seu grande emprego é mesmo na geração de prazer. O que perdemos com isso? Criatividade, poder de auto-realização, o que significa estarmos diminuindo nossa real estatura como seres humanos, essencialmente divinos.
         
Esse direcionamento obsessivo de nossas energias para o prazer sexual tornando-se compulsão, tensão, uma “exigência” física (a natureza provê energia onde mais se gasta) é uma “válvula de escape”, um modo de auto-esquecimento, para o pensador indiano Krishnamurti. Ele diz: “Como o ‘eu’ (ou ego) é uma fonte de sofrimento, desejamos esquecer de nós mesmos e buscamos agitação individual ou coletiva, formas um tanto grosseiras de sensação. Quando buscamos fugir do ‘eu’, os meios de fuga tornam-se importantes e passam a ser problemas”[2].  As drogas de qualquer tipo são uma prova disso.

O que transforma o ego em fonte de sofrimento, induzindo-nos à fuga, ao desperdício de energias e de criatividade? É não sabermos como nos livrar dele. Segundo Krishnamurti, “o sexo se torna uma experiência que temos de buscar continuamente, porque nos oferece, por um instante, aquele estado de felicidade que se manifesta na ausência do eu”. Os valores que nos mantêm presos ao ego (idéias de segurança, orgulho, “moralidade”, auto-importância) são criados em nossa mente, ou seja, na própria matriz do ego. A raposa está dentro do galinheiro.
           
“Vinde a mim as criancinhas, porque delas é o Reino dos Céus”, disse o Cristo. Nas criancinhas o ego ainda não se formou. Assim, é na impureza dele, e não do sexo, que reside o “pecado”. Temos que desenvolver o amor, a pureza, a humildade, a capacidade de perdoar, para reconquistar o paraíso. “Perdido”, mas aqui mesmo com sua morada em nosso próprio coração ele jamais se apartou de nós.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência – UNICONS.
[2] KRISHNAMURTI, Jiddu. Revista Sophia n° 6, Editora Teosófica.

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