Walter S. Barbosa[1]
Do ponto de vista do Yoga, vida é
a natureza permanente do Ser. Ignorando isso, nos comportamos como se ela fosse
algo a ser agarrado ou passível de se extinguir, justificando o medo da morte. Assinado
por Airton Mendonça, o texto “A mente apaga registros duplicados” sugere que se
deve fugir à rotina. Das experiências repetidas só fica o registro da primeira,
que nos faz de fato viver. O resto submerge no automatismo, daí recomendando-se
diversificar a atividade para que a sensação de vida não se apague.
“Um adulto médio tem entre 40 e 60 mil pensamentos por dia” diz
Mendonça. Sendo impossível ao cérebro processar tal quantidade de pensamentos,
a maior parte deles “é automatizada e não aparece no índice de eventos do dia
e, portanto, quando você vive uma experiência pela primeira vez, ele dedica
muitos recursos para compreender o que está acontecendo. É quando você se sente mais vivo”.
É palpável o sentimento de
mais vida com experiências novas. Também, com o passar dos anos, pode ser difícil
viver algo novo, fazendo a sensação de mesmice crescer no ritmo dos cabelos
brancos. Conforme se tem dito, até coisas simples como mudar o relógio de pulso
ou os móveis na sala pode melhorar esse quadro. Sob outra perspectiva, será que
não podemos experimentar isso sem precisar correr atrás da vida?
Uma enxurrada de pensamentos chega
ao cérebro continuamente, justificando Eckhart Tolle[2]
classificar esse fato como tortura ou vício do pensamento na obra “O poder do
Agora”, desde que vício é tudo que escapa ao nosso controle.
A corrente dos pensamentos é obra
da atividade mental, ressuscitando muita coisa do subconsciente para reexame no
painel da consciência, incluindo os pontos de apego impregnados na memória. Quanto
sobra de atenção para o agora? Eventualmente, nada. O pôr do sol não tem
brilho, o relacionamento se limita ao sexo. Passa em branco qualquer nota
musical mais baixa que nosso barulho interno.
O carimbo de memória – ou
seja, de passado – que a experiência nova recebe a torna velha instantaneamente,
jogando-a sob o tapete da inconsciência. Algumas, porém, continuam fresquinhas
por mais tempo. Por quê? A resposta pode estar no baú do inconsciente, cheio de
medos, desejos e expectativas.
Emoções e pensamentos são
manipulações de energias. Quando um desejo está prestes a realizar-se o coração
dispara e a atenção fixa-se naquele ponto, quebrando o automatismo do viver
diário numa experimentação do agora. É o que acontece também nas situações de
risco, explicando a atração dos esportes perigosos e filmes de terror.
Daí perguntar-se: as pessoas
habitualmente serenas estariam mortas? A santidade, que leva ao controle e
mesmo extinção dos desejos, é uma proposta de redução da vida? O relato de tais
indivíduos mostra o contrário. Em seus “yogasutras”, Patânjali diz que a
sensação de existir aumenta à proporção que a consciência se alarga na direção
do Ser, reduzindo o inconsciente. Com isso morre a dependência do passado, extinguindo-se
também o medo, a sensação de isolamento e a carência resultante. A isso se
chama paz.
Para o sábio Ramana Maharshi a
paz é o bem supremo. De acordo com Tolle, trata-se de uma conquista “tão grande
e profunda que tudo que não for paz desaparecerá nela, como se nunca tivesse
existido”. Mesmo quando em pequenos “flashes” atingimos esse estado na
meditação, sentimos a percepção da vida se dilatar e duvidamos da dor mental
que há pouco nos afligia. Somente a experiência pessoal pode comprovar isso.
Sob o aspecto da permanência, a
sensação de viver é algo bem mais profundo. Correr atrás dela só ajuda a afastá-la.
Nossa fome real não é de agitação – que pode gerar o vício da adrenalina – mas sim
fome de paz, de presença no agora, onde tudo se renova eternamente. “A vida só
acontece no agora”, diz Tolle.
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