quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Sensação de viver: precisamos correr atrás dela?


Walter S. Barbosa[1]
Do ponto de vista do Yoga, vida é a natureza permanente do Ser. Ignorando isso, nos comportamos como se ela fosse algo a ser agarrado ou passível de se extinguir, justificando o medo da morte. Assinado por Airton Mendonça, o texto “A mente apaga registros duplicados” sugere que se deve fugir à rotina. Das experiências repetidas só fica o registro da primeira, que nos faz de fato viver. O resto submerge no automatismo, daí recomendando-se diversificar a atividade para que a sensação de vida não se apague.

“Um adulto médio tem entre 40 e 60 mil pensamentos por dia” diz Mendonça. Sendo impossível ao cérebro processar tal quantidade de pensamentos, a maior parte deles “é automatizada e não aparece no índice de eventos do dia e, portanto, quando você vive uma experiência pela primeira vez, ele dedica muitos recursos para compreender o que está acontecendo. É quando você se sente mais vivo”.

É palpável o sentimento de mais vida com experiências novas. Também, com o passar dos anos, pode ser difícil viver algo novo, fazendo a sensação de mesmice crescer no ritmo dos cabelos brancos. Conforme se tem dito, até coisas simples como mudar o relógio de pulso ou os móveis na sala pode melhorar esse quadro. Sob outra perspectiva, será que não podemos experimentar isso sem precisar correr atrás da vida?

Uma enxurrada de pensamentos chega ao cérebro continuamente, justificando Eckhart Tolle[2] classificar esse fato como tortura ou vício do pensamento na obra “O poder do Agora”, desde que vício é tudo que escapa ao nosso controle.

A corrente dos pensamentos é obra da atividade mental, ressuscitando muita coisa do subconsciente para reexame no painel da consciência, incluindo os pontos de apego impregnados na memória. Quanto sobra de atenção para o agora? Eventualmente, nada. O pôr do sol não tem brilho, o relacionamento se limita ao sexo. Passa em branco qualquer nota musical mais baixa que nosso barulho interno.

O carimbo de memória – ou seja, de passado – que a experiência nova recebe a torna velha instantaneamente, jogando-a sob o tapete da inconsciência. Algumas, porém, continuam fresquinhas por mais tempo. Por quê? A resposta pode estar no baú do inconsciente, cheio de medos, desejos e expectativas.

Emoções e pensamentos são manipulações de energias. Quando um desejo está prestes a realizar-se o coração dispara e a atenção fixa-se naquele ponto, quebrando o automatismo do viver diário numa experimentação do agora. É o que acontece também nas situações de risco, explicando a atração dos esportes perigosos e filmes de terror.

Daí perguntar-se: as pessoas habitualmente serenas estariam mortas? A santidade, que leva ao controle e mesmo extinção dos desejos, é uma proposta de redução da vida? O relato de tais indivíduos mostra o contrário. Em seus “yogasutras”, Patânjali diz que a sensação de existir aumenta à proporção que a consciência se alarga na direção do Ser, reduzindo o inconsciente. Com isso morre a dependência do passado, extinguindo-se também o medo, a sensação de isolamento e a carência resultante. A isso se chama paz.

Para o sábio Ramana Maharshi a paz é o bem supremo. De acordo com Tolle, trata-se de uma conquista “tão grande e profunda que tudo que não for paz desaparecerá nela, como se nunca tivesse existido”. Mesmo quando em pequenos “flashes” atingimos esse estado na meditação, sentimos a percepção da vida se dilatar e duvidamos da dor mental que há pouco nos afligia. Somente a experiência pessoal pode comprovar isso.

Sob o aspecto da permanência, a sensação de viver é algo bem mais profundo. Correr atrás dela só ajuda a afastá-la. Nossa fome real não é de agitação – que pode gerar o vício da adrenalina – mas sim fome de paz, de presença no agora, onde tudo se renova eternamente. “A vida só acontece no agora”, diz Tolle.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
[2] TOLLE, Eckhart. “O Poder do Agora”, editora Sextante.

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