Walter S. Barbosa[1]
Na
vida a dois, sob compromisso, relacionamento sem apego é possível? Da alegria
de compartilhar sentimentos ou descobertas entre as almas fins, à frustração das
dependências negadas, dos sonhos desfeitos, os relacionamentos vão sinalizando
o caminho no “des-envolvimento” da consciência. Ela é o espírito, puro e
grandioso em si – como semente divina – mas desconhecendo o próprio poder.
O
mistério de carregar Deus em nossa natureza (a expansão, o crescimento sem
limites), enquanto ainda identificados com a matéria (que restringe, que
cobra), cria essa dualidade, onde oscilamos entre diferentes tipos de solidão.
De
um lado a solidão – ou “solitude” – da grandeza divina, sendo Deus a autossuficiência por ser o próprio amor,
que não depende da reciprocidade para existir. É o estado dos homens santos. Do
outro lado a solidão do egocentrismo, agarrando o grão de areia que
consideramos um tesouro, tornando-nos ele mesmo. Em torno desse ponto acomodamos
expectativas de conforto e segurança. No primeiro caso, a liberdade, no
segundo, a prisão.
Atenção
é consciência. Quando nos prendemos a alguma coisa colocamos energia naquilo,
passando a ter ali o nosso limite. Tanto faz ser um objeto animado ou
inanimado, pois o mecanismo da limitação não está no objeto, mas em nós. Porém quando se
trata de algo animado – uma pessoa – o efeito da limitação aumenta porque essa
pessoa passará a explorar o nosso limite, significando ganhos para ela.
Se
alguém tomar algo de nossa propriedade nos tornaremos furiosos. Levaram um
pedaço de nós. De imediato isso aprofundará a inconsciência, possibilitando
coisas que não faríamos numa situação de tranqüilidade. Obviamente, porém, a
possibilidade já existia, estava só adormecida. Ao vir à tona, vai significar mais
conflito à nossa volta, podendo gerar consciência quando o conflito cessa e a
“ficha cai” na revisão do dia, se esta acontecer. Caso contrário, o assunto permanece
no domínio da inconsciência.
Já
no apego a uma pessoa, as pressões e cobranças são constantes, pois convivemos
com o próprio “ladrão” do nosso conforto, segundo nosso ponto de vista. A
sensação de furto será vivida a cada passo. Mas em certa medida vamos tolerar
isso porque fazemos a mesma coisa com o outro nas pequenas – ou grandes – vinganças.
Somos obrigados a interagir com essa pressão (aumento do nosso limite), gerando
reações e sofrimento. As brigas constantes vão significar tentativas de ajuste,
a fim de manter o desfrute do apego.
Nesse
processo, à proporção que o ego perde espaço, ganha a consciência. Ela pode
surgir nos intervalos do jogo tensão/relaxamento como as pequenas e difíceis concessões
ao outro. E de forma mais acelerada quando, em mudança extraordinária, começamos
a reconhecer que o defeito não está só no
outro, podendo até nem estar nele (enxergamos o mundo conforme nossa sujeira
mental).
Vê-se
então que o apego, atuando nas relações como moeda de troca – cada um
representando o papel desejado pelo outro – acaba gerando expansão da
consciência, ainda que lentamente. Mantém as pessoas juntas para que se conheçam,
conhecendo a si mesmas, crescendo em poder.
Acompanhando
o declínio do desejo – nas situações em que Eros não serviu de ponte para o
amor, segundo Pierrakos[2] – sem
apego a relação tende a acabar no mundo do ego. Porém, se o amor tem a
oportunidade de se instalar, a consciência que vem junto – como legítimo
interesse pelo outro – poderá ter um efeito libertador, iluminando nossas
relações.
A
pressa com que substituímos nossos parceiros ou parceiras em busca de
satisfação sem esforço, sem compromisso, dá uma ideia da inconsciência com que
são vividas. Daí a inevitável repetição dos mesmos erros, verdade essa que cada
um pode constatar em sua própria experiência.
[1] Membro
da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
[2]
PIERRAKOS, Eva. Criando União,
Editora Cultrix.
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