terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Relacionamentos e apego no processo da consciência




Walter S. Barbosa[1]
Na vida a dois, sob compromisso, relacionamento sem apego é possível? Da alegria de compartilhar sentimentos ou descobertas entre as almas fins, à frustração das dependências negadas, dos sonhos desfeitos, os relacionamentos vão sinalizando o caminho no “des-envolvimento” da consciência. Ela é o espírito, puro e grandioso em si – como semente divina – mas desconhecendo o próprio poder.

O mistério de carregar Deus em nossa natureza (a expansão, o crescimento sem limites), enquanto ainda identificados com a matéria (que restringe, que cobra), cria essa dualidade, onde oscilamos entre diferentes tipos de solidão.

De um lado a solidão – ou “solitude” – da grandeza divina, sendo Deus a autossuficiência por ser o próprio amor, que não depende da reciprocidade para existir. É o estado dos homens santos. Do outro lado a solidão do egocentrismo, agarrando o grão de areia que consideramos um tesouro, tornando-nos ele mesmo. Em torno desse ponto acomodamos expectativas de conforto e segurança. No primeiro caso, a liberdade, no segundo, a prisão.

Atenção é consciência. Quando nos prendemos a alguma coisa colocamos energia naquilo, passando a ter ali o nosso limite. Tanto faz ser um objeto animado ou inanimado, pois o mecanismo da limitação não está no objeto, mas em nós. Porém quando se trata de algo animado – uma pessoa – o efeito da limitação aumenta porque essa pessoa passará a explorar o nosso limite, significando ganhos para ela.

Se alguém tomar algo de nossa propriedade nos tornaremos furiosos. Levaram um pedaço de nós. De imediato isso aprofundará a inconsciência, possibilitando coisas que não faríamos numa situação de tranqüilidade. Obviamente, porém, a possibilidade já existia, estava só adormecida. Ao vir à tona, vai significar mais conflito à nossa volta, podendo gerar consciência quando o conflito cessa e a “ficha cai” na revisão do dia, se esta acontecer. Caso contrário, o assunto permanece no domínio da inconsciência.

Já no apego a uma pessoa, as pressões e cobranças são constantes, pois convivemos com o próprio “ladrão” do nosso conforto, segundo nosso ponto de vista. A sensação de furto será vivida a cada passo. Mas em certa medida vamos tolerar isso porque fazemos a mesma coisa com o outro nas pequenas – ou grandes – vinganças. Somos obrigados a interagir com essa pressão (aumento do nosso limite), gerando reações e sofrimento. As brigas constantes vão significar tentativas de ajuste, a fim de manter o desfrute do apego.

Nesse processo, à proporção que o ego perde espaço, ganha a consciência. Ela pode surgir nos intervalos do jogo tensão/relaxamento como as pequenas e difíceis concessões ao outro. E de forma mais acelerada quando, em mudança extraordinária, começamos a reconhecer que o defeito não está só no outro, podendo até nem estar nele (enxergamos o mundo conforme nossa sujeira mental).

Vê-se então que o apego, atuando nas relações como moeda de troca – cada um representando o papel desejado pelo outro – acaba gerando expansão da consciência, ainda que lentamente. Mantém as pessoas juntas para que se conheçam, conhecendo a si mesmas, crescendo em poder.

Acompanhando o declínio do desejo – nas situações em que Eros não serviu de ponte para o amor, segundo Pierrakos[2] – sem apego a relação tende a acabar no mundo do ego. Porém, se o amor tem a oportunidade de se instalar, a consciência que vem junto – como legítimo interesse pelo outro – poderá ter um efeito libertador, iluminando nossas relações.

A pressa com que substituímos nossos parceiros ou parceiras em busca de satisfação sem esforço, sem compromisso, dá uma ideia da inconsciência com que são vividas. Daí a inevitável repetição dos mesmos erros, verdade essa que cada um pode constatar em sua própria experiência.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
[2] PIERRAKOS, Eva. Criando União, Editora Cultrix.

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