Walter S. Barbosa[1]
A um amigo francamente idealista, certa vez
perguntei: “Qual é o preço do seu ideal?” Ele respondeu: “Meu ideal não tem
preço”. Bonita resposta – pensei – porém rápida demais. À luz da observação mínima,
tudo tem preço no Universo. Nossa meta mais elevada, a conquista do Ser, é
obtida palmo a palmo durante milhões de anos, aperfeiçoando-se simultaneamente
os corpos que nos servem desde o reino mineral, como ensina a filosofia
esotérica. Mesmo a “graça do Guru” tem um preço nas condições requeridas ao discípulo.
Ideal é o “objeto de nossa mais alta aspiração
intelectual, estética, espiritual, afetiva ou de ordem prática”, define o "Aurélio". Também pode ser o que “existe somente na idéia, imaginário,
fantástico”. Onde se enquadra nosso ideal, nesse intervalo entre aspiração
elevada e fantasia? Quanto ele consome, agora, de nossos recursos e atenção? É
uma força autêntica, transformadora, ou é mero verniz, resumindo o dia-a-dia à
vida instintiva herdada dos animais, com acréscimo do anseio de ganho material
e psicológico inerente aos homens?
Em certo sentido, ter um ideal não é tão bom assim.
O idealista pode encarnar alguém sempre focado em algo melhor a acontecer no
futuro, enquanto “a vida só acontece no agora” segundo Eckhart Tolle[2]. Sendo esse o único tempo
existente - vivido na ausência do medo e expectativa criados pelo tempo
psicológico – por que alguém perderia esse tesouro à espera de algo improvável no
amanhã? Para quem age assim, só restaria a infelicidade neste momento,
convertido então em mero trampolim para o futuro?
A idéia da inutilidade – e até desvantagem dos
ideais – pode reforçar a opção pelo imediatismo grosseiro, sendo comum o
raciocínio de que “viver o agora” é intensificar o prazer com o mínimo de
compromisso. Filho do mundo, o ego mergulha facilmente nesse jogo, mantendo-nos
presos ao engano do descompromisso egoísta. Bem ou mal utilizada, a energia é uma
só e toda ação é um emprego de energia, algo que também tem preço. A única ação
isenta de compromisso é a que não busca recompensa, neutralizando o Carma na
fonte.
Segundo Tolle, nutrir um ideal não significa
necessariamente perder o foco do agora, como único espaço-tempo disponível para
construir e vivenciar. Ao contrário – cientes da eterna mudança – captamos no
agora a realidade que o universo oferece em cada instante, a coisa como ela
“é”, ajudando a concretizar e possivelmente até melhorar nossos ideais.
Outra idéia comum é de que a “despreocupação” do
agora – onde a mente relaxa e a intuição predomina – possa representar
diminuição de nossos potenciais para resolver um problema. De novo ao
contrário, essa é condição essencial para o que se chama “habilidade na ação”,
colocando nossos recursos integralmente à disposição dela, sem distrações, sob
cumplicidade também do relógio invisível da sincronicidade. Fiador de nossa
capacidade intuitiva, só o coração é capaz de perceber esse tempo além do tempo.
“E qual é o seu ideal?” Pensei em fazer essa
pergunta ao meu amigo, mas desisti. Se esse ideal tiver um sentido prático, ainda
que espiritual, terá um preço (a espiritualidade real não está separada do
dia-a-dia). Poderá ser também uma ficção como felicidade baseada em condições futuras,
que podem acontecer ou não. Qualquer ideal pode ser vivido e gerar felicidade hoje.
Este dia, além de completo em si, é a semente das possibilidades do amanhã.
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