Walter da Silva Barbosa[1]
“Abster-se do
mal, realizar o bem, purificar a mente, esse é o ensinamento de todos aqueles
que despertaram” (Dhammapada). Esses três
conselhos do Buda – termo que, por sinal, significa “O desperto” – resumem tudo
que devemos fazer.
Quanto de mal
realizamos diariamente, desde as agressões mais rudes reportadas pela mídia, até
as que podem ficar ocultas nas rodas mais íntimas: violências morais, injúrias,
furto de ideias e maledicência? Se fizermos um exame retrospectivo de nosso dia
antes de dormir, podemos descobrir um pouco de nossa contribuição nesse
sentido.
De onde surge tudo
isso? Justamente de nossas impurezas mentais, reforçadas de minuto a minuto
pelos estímulos à posse, à competitividade, à inveja. Por outro lado, essas
impurezas nos impedem de realizar o bem, alimentando desconfianças ou preconceitos,
criando bloqueio aos impulsos generosos do coração. “Abster-se do mal”,
contudo, vem antes porque a prática deliberada do mal se situa no nível mais
baixo das defesas do ego, que cresce pela diminuição do outro.
Com impacto ainda
mais profundo e abrangente, sem defesas, age o mal praticado por meio do
pensamento. Da mesma maneira que, como um “pecado” mental, a inveja é capaz de
fulminar uma planta até a raiz ou arruinar a saúde de uma criança pelo “mau
olhado” – baseando-se no uso inconsciente de energias negativas – o mal que
praticamos mentalmente não conhece barreiras, atravessa o mundo.
Se a total
abstinência do mal é difícil, a prática do bem é um “salto quântico”,
encontrando felicidade exatamente no oposto: desejar o melhor para o outro. Quantos
de nós ficamos em paz com a felicidade alheia ou somos capazes de cooperar com
ela?
A disposição
para realizar o bem nasce da espontaneidade do amor, que chegará um dia a ser incondicional,
abrangendo todas as criaturas vivas. Esse amor já existe em algum lugar dentro
de nós. Sua expressão é impedida pela supremacia do ego, ocupado somente de seu
próprio conforto. Porém, baseando-se tal comportamento no medo, em que resulta?
No desconforto, porque o medo divide o mundo, nos isola das pessoas, contamina
as bases da sociedade, cria juízos errôneos e fortalece a corrupção.
Desprendimento e
amor caminham juntos, da mesma forma que o egoísmo e o medo. Assim, o medo se
encontra na essência de nossas impurezas mentais, girando em torno da
sobrevivência do ego – falso eu criado pela mente – princípio de todos os males
do mundo (colocar nossos problemas em algo externo, incluindo o “demônio”, apenas
faz com que eles continuem engordando, ignorados, dentro de nós).
Como superar o
medo e abrir caminho à purificação mental? Essa possibilidade pode vir de uma
lógica muito simples: nada temos a perder na prática do bem, no exercício da
generosidade, do amor. Sim, porque tudo que acreditamos pertencer-nos de fato já
está perdido, sendo apenas uma questão de tempo, não é mesmo?
Por outro lado, a
vida que tememos perder é Deus em nós, um dom eterno. Cresce, contudo, em realidade,
beleza e plenitude na proporção que a
livramos da obsessão pelas posses e, principalmente, da sensação de possuir. Tal sensação confere-nos uma identidade
ilusória (somos isto ou aquilo pelos títulos e bens que possuímos), dando mais
força ao ego e originando o medo das perdas inevitáveis.
Isso tudo é um peso enorme, mas ao
mesmo tempo puramente mental, encolhendo quando focamos sobre ele algo
infinitamente maior e mais potente: a luz de nossa própria consciência.
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