Walter da Silva Barbosa[1]
Às vezes
mencionados como “as duas asas do anjo”, o amor e o conhecimento são
considerados os dois caminhos básicos para a libertação do ser humano, sendo o
coração e a mente os instrumentos desses caminhos. Entretanto, o amor que gera
apego de fato aprisiona, ao invés de libertar. O conhecimento intelectual, por
sua vez, tende a inflar o ego e sustentar o orgulho, que aprisiona também. Assim,
onde estão o conhecimento e o amor que libertam? Só podem estar além dos
limites daquilo que praticamos. Temos que fazer um esforço para transcender
esses limites, como ilustra a história que se segue.
Um rei mandou
seu filho estudar no templo de um grande mestre, com o objetivo de prepará-lo
para ser uma grande pessoa. Quando o príncipe chegou ao templo, o mestre o
mandou sozinho para uma floresta. Ele deveria voltar um ano depois, com a
tarefa de descrever todos os sons que pudesse ouvir.
Retornando ao
templo, após um ano, o mestre lhe pediu para narrasse sua experiência. Disse o
príncipe: “Mestre, pude ouvir o canto dos pássaros, o barulho das folhas, o
alvoroço dos beija-flores, a brisa batendo na grama, o zumbido das abelhas, o
barulho do vento cortando os céus”.
Ao terminar o
relato, o mestre pediu que o príncipe retornasse à floresta, para ouvir tudo o
mais que fosse possível. Apesar de intrigado, o príncipe obedeceu, pensando: “Não
entendo, eu já distingui todos os sons da floresta”. Por dias e noites ficou
sozinho ouvindo, ouvindo, mas não conseguiu distinguir nada de novo além
daquilo que havia dito ao mestre.
Porém, certa
manhã, começou a distinguir sons vagos, diferentes de tudo o que ouvira antes.
E quanto mais prestava atenção, mais claros os sons se tornavam. Uma sensação
de encantamento tomou conta do rapaz. Pensou: “Esses devem ser os sons que o
mestre queria que eu ouvisse”. E sem pressa, ficou ali ouvindo e ouvindo,
pacientemente. Queria ter certeza de que estava no caminho certo.
Quando retornou
ao templo, o mestre lhe perguntou o que mais conseguira ouvir. Paciente e
respeitosamente o príncipe disse: “Mestre, quando prestei atenção pude ouvir o
inaudível som das flores se abrindo, do sol nascendo e aquecendo a terra e da
grama bebendo o orvalho da noite”.
O mestre
sorrindo, acenou com a cabeça em sinal de aprovação, e disse: “Ouvir o
inaudível é ter a calma necessária para se tornar uma grande pessoa. Apenas
quando se aprende a ouvir o coração das pessoas, seus sentimentos mudos, seus
medos não confessados e suas queixas silenciosas, uma pessoa pode inspirar
confiança ao seu redor, compreender o que está errado e atender as reais
necessidades de cada um. A morte de uma relação começa quando ouvimos apenas as
palavras pronunciadas pela boca, sem atentar para o que acontece no interior das
pessoas a fim de ouvir seus sentimentos, desejos e opiniões reais. É preciso,
portanto, ouvir o lado inaudível das coisas, o lado não mensurado, mas que tem
o seu valor, pois é o lado do ser humano”.
No esforço para
ir além do que é audível e mensurável, o que se pede é antes de tudo atenção e
generosidade. Uma serena disposição para a entrega, dirigindo para dentro o
coração e a mente, a fim de que o amor-sabedoria lá em germe possa fluir no rio
da vida, retribuindo o que a vida nos dá. Assim, abre-se diante de nós o caminho
para o infinito.
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