quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Pode o “insensato coração” abranger o infinito?


Walter da Silva Barbosa[1]
Às vezes mencionados como “as duas asas do anjo”, o amor e o conhecimento são considerados os dois caminhos básicos para a libertação do ser humano, sendo o coração e a mente os instrumentos desses caminhos. Entretanto, o amor que gera apego de fato aprisiona, ao invés de libertar. O conhecimento intelectual, por sua vez, tende a inflar o ego e sustentar o orgulho, que aprisiona também. Assim, onde estão o conhecimento e o amor que libertam? Só podem estar além dos limites daquilo que praticamos. Temos que fazer um esforço para transcender esses limites, como ilustra a história que se segue.

Um rei mandou seu filho estudar no templo de um grande mestre, com o objetivo de prepará-lo para ser uma grande pessoa. Quando o príncipe chegou ao templo, o mestre o mandou sozinho para uma floresta. Ele deveria voltar um ano depois, com a tarefa de descrever todos os sons que pudesse ouvir.

Retornando ao templo, após um ano, o mestre lhe pediu para narrasse sua experiência. Disse o príncipe: “Mestre, pude ouvir o canto dos pássaros, o barulho das folhas, o alvoroço dos beija-flores, a brisa batendo na grama, o zumbido das abelhas, o barulho do vento cortando os céus”.
           
Ao terminar o relato, o mestre pediu que o príncipe retornasse à floresta, para ouvir tudo o mais que fosse possível. Apesar de intrigado, o príncipe obedeceu, pensando: “Não entendo, eu já distingui todos os sons da floresta”. Por dias e noites ficou sozinho ouvindo, ouvindo, mas não conseguiu distinguir nada de novo além daquilo que havia dito ao mestre.
           
Porém, certa manhã, começou a distinguir sons vagos, diferentes de tudo o que ouvira antes. E quanto mais prestava atenção, mais claros os sons se tornavam. Uma sensação de encantamento tomou conta do rapaz. Pensou: “Esses devem ser os sons que o mestre queria que eu ouvisse”. E sem pressa, ficou ali ouvindo e ouvindo, pacientemente. Queria ter certeza de que estava no caminho certo.
           
Quando retornou ao templo, o mestre lhe perguntou o que mais conseguira ouvir. Paciente e respeitosamente o príncipe disse: “Mestre, quando prestei atenção pude ouvir o inaudível som das flores se abrindo, do sol nascendo e aquecendo a terra e da grama bebendo o orvalho da noite”.
           
O mestre sorrindo, acenou com a cabeça em sinal de aprovação, e disse: “Ouvir o inaudível é ter a calma necessária para se tornar uma grande pessoa. Apenas quando se aprende a ouvir o coração das pessoas, seus sentimentos mudos, seus medos não confessados e suas queixas silenciosas, uma pessoa pode inspirar confiança ao seu redor, compreender o que está errado e atender as reais necessidades de cada um. A morte de uma relação começa quando ouvimos apenas as palavras pronunciadas pela boca, sem atentar para o que acontece no interior das pessoas a fim de ouvir seus sentimentos, desejos e opiniões reais. É preciso, portanto, ouvir o lado inaudível das coisas, o lado não mensurado, mas que tem o seu valor, pois é o lado do ser humano”.
           
No esforço para ir além do que é audível e mensurável, o que se pede é antes de tudo atenção e generosidade. Uma serena disposição para a entrega, dirigindo para dentro o coração e a mente, a fim de que o amor-sabedoria lá em germe possa fluir no rio da vida, retribuindo o que a vida nos dá. Assim, abre-se diante de nós o caminho para o infinito.


[1]Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência – UNICONS.

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