terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Sofrimento: diante dele, rebelar-se ou crescer?


Walter da Silva Barbosa[1]
A entrada neste mundo se faz com sofrimento, seja para a mãe, seja para a criança, abrindo caminho nas entranhas maternas. Deixar o corpo, em geral, também é motivo de sofrimento. Ao longo da vida, o sofrimento nos acompanha como “a roda do carro que segue a pata do boi que o puxa”. Esse “boi” pode muito bem ser representado por nossa natureza anímica, fundamentada no desejo. Conforme o budismo, aí reside a causa do sofrimento.

O budismo ensina também o “caminho do meio”, onde o desejo pode ser usufruído em sua face benigna, preservadora da geração e da manutenção da vida. Além de estar por trás da união do macho com a fêmea, do impulso de comer um doce, de comprar um carro, o desejo preside o nascimento do Universo pela união do Pai e Mãe cósmicos, desdobrados de Deus (Absoluto): o Espírito e a Matéria, tornando o desejo a base da manifestação.

Assim, nosso problema não está exatamente no desejo, mas no excesso, alimentando a gula, a inveja, a competitividade, a violência. No caso do homem, é comum ele estar buscando outras mulheres tendo a seu lado a mais bela. Não paramos de desejar nunca, sempre dependendo de que algo aconteça para nos satisfazer. Porém, quando esse algo acontece a satisfação não chega: um vazio latente sufoca a alegria ante o objeto de desejo conquistado. Não é isso a continuidade sem fim do sofrimento de que trata o budismo?

Eckhart Tolle[2] diz que o fato está associado ao “corpo de dor”. Vivendo de nossas tendências para o confronto, atração pelo perigo, filmes de terror e outras paixões estranhas – considerando o instinto de preservação do ego – o prazer desse corpo é alimentar-se de sofrimento. A explicação pode estar nas vidas elementais, que evoluem “para baixo” em simbiose com a negatividade humana, enquanto esta quebra as referências de proteção e conforto do ego. Nada é desperdiçado na economia universal.

Pagamos o preço. Jamais desistimos. Por quê? O motivo é o tesouro oculto na essência dessa busca, à espera talvez de nosso último desejo como seres humanos. Trata-se da paz que intuitivamente sabemos existir, como algo inerente à autossuficiência do espírito (somente por já existir é que pode ser real). Às vezes temos sua percepção no sentimento de “estar em tudo” ou “conter tudo” que a meditação provoca. Abre-se então um espaço de silêncio dentro de nós, significando ausência de pensamento. Tudo acontece nesse silêncio, levando afinal ao samadhi, à realização de nossa natureza divina.

As coisas mundanas não podem nos dar esse tesouro, mas a desilusão que elas provocam, sim. Isso ocorre na medida em que, “des-iludidos”, partimos ao encontro do Ser, tornando o insucesso material uma alavanca para o espírito. Por meio da inteligência evolutiva, a insaciedade do ego acaba provocando sua destruição.

Enquanto não chegamos lá, porém, o sofrimento domina. Diante dele, rebelar-se ou crescer? Rebelar-se é não aceitar o sofrimento, negá-lo, buscar culpados ou substitutos, anestesiar-se com drogas e outros recursos de fuga. Quando a aceitação não acontece, a causa do sofrimento segue desconhecida, aumentando o problema.

Tudo aquilo a que resistimos, fortalecemos. Aceitar não significa, porém, desistir da mudança. Ao contrário, quando olhamos a situação com receptividade, a raiz do problema – de base mental, incluindo desejos insatisfeitos – vem à tona, sugerindo uma ação harmonizadora que brota das profundezas do Ser, extinguindo o problema. A razão é simples: pusemos consciência nele, expandindo a vida espiritual. Talvez até descobrindo que nunca existiu um problema. A escuridão não suporta a luz.
             Eckhart Tolle nos dá uma chave ao dizer que a escuridão é passiva e a luz é ativa. Quando iluminamos um quarto escuro não é a escuridão que sai, é a luz que entra. Por isso, Helena Blavatsky diz que o mal não tem existência própria, é apenas ausência do bem.
            Somente de cada um de nós depende manter ou eliminar a realidade do sofrimento, crescendo no processo. Sofrer ou não é escolha nossa. Freqüentemente, porém, dando razão a Tolle, escolhemos sofrer – como nas situações de ódio mantidas por longo tempo – gerando o paradoxo de arruinarmos a vida com nosso próprio veneno.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência-UNICONS.
[2] “O Despertar de uma nova consciência”, Editora Sextante.

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