Walter da Silva Barbosa[1]
A entrada neste
mundo se faz com sofrimento, seja para a mãe, seja para a criança, abrindo
caminho nas entranhas maternas. Deixar o corpo, em geral, também é motivo de sofrimento.
Ao longo da vida, o sofrimento nos acompanha como “a roda do carro que segue a
pata do boi que o puxa”. Esse “boi” pode muito bem ser representado por nossa
natureza anímica, fundamentada no desejo. Conforme o budismo, aí reside a causa
do sofrimento.
O budismo ensina
também o “caminho do meio”, onde o desejo pode ser usufruído em sua face
benigna, preservadora da geração e da manutenção da vida. Além de estar por
trás da união do macho com a fêmea, do impulso de comer um doce, de comprar um
carro, o desejo preside o nascimento do Universo pela união do Pai e Mãe
cósmicos, desdobrados de Deus (Absoluto): o Espírito e a Matéria, tornando o
desejo a base da manifestação.
Assim, nosso
problema não está exatamente no desejo, mas no excesso, alimentando a gula, a inveja,
a competitividade, a violência. No caso do homem, é comum ele estar buscando
outras mulheres tendo a seu lado a mais bela. Não paramos de desejar nunca, sempre
dependendo de que algo aconteça para nos satisfazer. Porém, quando esse algo acontece
a satisfação não chega: um vazio latente sufoca a alegria ante o objeto de
desejo conquistado. Não é isso a continuidade sem fim do sofrimento de que trata
o budismo?
Eckhart Tolle[2]
diz que o fato está associado ao “corpo de dor”. Vivendo de nossas tendências
para o confronto, atração pelo perigo, filmes de terror e outras paixões estranhas
– considerando o instinto de preservação do ego – o prazer desse corpo é
alimentar-se de sofrimento. A explicação pode estar nas vidas elementais, que
evoluem “para baixo” em simbiose com a negatividade humana, enquanto esta
quebra as referências de proteção e conforto do ego. Nada é desperdiçado na
economia universal.
Pagamos o preço.
Jamais desistimos. Por quê? O motivo é o tesouro oculto na essência dessa busca,
à espera talvez de nosso último desejo como seres humanos. Trata-se da paz que
intuitivamente sabemos existir, como algo inerente à autossuficiência do espírito (somente por já existir é que pode ser
real). Às vezes temos sua percepção no sentimento de “estar em tudo” ou “conter
tudo” que a meditação provoca. Abre-se então um espaço de silêncio dentro de
nós, significando ausência de pensamento. Tudo acontece nesse silêncio, levando
afinal ao samadhi, à realização de nossa
natureza divina.
As coisas mundanas
não podem nos dar esse tesouro, mas a desilusão que elas provocam, sim. Isso
ocorre na medida em que, “des-iludidos”, partimos ao encontro do Ser, tornando
o insucesso material uma alavanca para o espírito. Por meio da inteligência
evolutiva, a insaciedade do ego acaba provocando sua destruição.
Enquanto não
chegamos lá, porém, o sofrimento domina. Diante dele, rebelar-se ou crescer?
Rebelar-se é não aceitar o sofrimento, negá-lo, buscar culpados ou substitutos,
anestesiar-se com drogas e outros recursos de fuga. Quando a aceitação não
acontece, a causa do sofrimento segue desconhecida, aumentando o problema.
Tudo aquilo a
que resistimos, fortalecemos. Aceitar não significa, porém, desistir da mudança.
Ao contrário, quando olhamos a situação com receptividade, a raiz do problema –
de base mental, incluindo desejos insatisfeitos – vem à tona, sugerindo uma
ação harmonizadora que brota das profundezas do Ser, extinguindo o problema. A
razão é simples: pusemos consciência nele, expandindo
a vida espiritual. Talvez até descobrindo que nunca existiu um problema. A
escuridão não suporta a luz.
Eckhart Tolle nos dá uma chave ao dizer que a
escuridão é passiva e a luz é ativa. Quando iluminamos um quarto escuro não é a
escuridão que sai, é a luz que entra. Por isso, Helena Blavatsky diz que o mal
não tem existência própria, é apenas ausência do bem.
Somente de cada um de nós depende manter
ou eliminar a realidade do sofrimento, crescendo no processo. Sofrer ou não é
escolha nossa. Freqüentemente, porém, dando razão a Tolle, escolhemos sofrer – como
nas situações de ódio mantidas por longo tempo – gerando o paradoxo de
arruinarmos a vida com nosso próprio veneno.
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