Walter da Silva Barbosa[1]
Grilhão é
aquilo que nos prende. Uma corrente em nossas pernas é um grilhão, assim como
hábitos arraigados, dependências (inclusive a afetiva) e drogas de qualquer
tipo, aceitas ou não pela sociedade (frequentemente o lucro importa mais que a
vida).
Os “três
grilhões” são assim chamados no Bhagavad-Gita (Canção do Senhor) pelo destaque
que desfrutam em nosso dia a dia, aparecendo também entre os “sete pecados
capitais” da tradição cristã. Quem se lembra deles? Talvez poucos, numa época
em que – por comodismo ou descrédito da figura do pecado – vício e virtude são
tomados um pelo outro. Ajudando a lembrá-los, associamos seus nomes à palavra
“pocilga” (casinha de porcos): Preguiça, Orgulho, Cobiça, Ira, Luxúria, Gula,
Avareza.
Todo
pecado que cometemos – ou carregamos, como vício de comportamento
calcado na estrutura energética de nossos corpos – se baseia em nossa
inconsciência atual, contribuindo também para aumentá-la na repetição da
mesma energia.
Há uma classificação
interessante desses pecados, abrangendo físico, emoção e mente. Enquanto a gula
e a preguiça ligam-se ao físico, o orgulho e a avareza são mentais. Por sua
vez, os três acima – ira, luxúria, cobiça – afinizam-se com a emoção, agindo em
nosso “corpo de desejos” (astral, emocional).Daí fica mais fácil entender a
força do grilhão enfatizado no Bhagavad-Gita, tendo como figura central o
desejo. É o próprio esteio da Criação Universal. Não obstante, ele também abre
caminho ao pralaya, ajudando a dissolver a forma ilusória na medida em
que o revertemos para uma vibração mais alta, passando a desejar a Luz, o
retorno à “Casa do Pai”.
No
caminho do ascetismo o desejo é sempre apontado como causa do sofrimento.
Refletindo algo maior, com que às vezes se confunde – a vontade – ele gera em
nós um íntimo anseio de complementação. Identificados, porém, com a matéria,
colocamos tal anseio nas guloseimas de todo tipo (que só a vontade pode
transformar), buscando a complementação nas posses. Aí mergulhamos de cabeça na
prisão material. Isso, entretanto, é uma decorrência do processo evolutivo como um todo. Temos que provar o máximo da escuridão a fim de ansiar pela Luz.
Cosmicamente,
o desejo nasceu no exato instante em que tudo deixou de ser Unidade ao surgir o
universo: Deus (o Manifesto) dividido em seus múltiplos pedaços, buscando
reunir-se outra vez. É a nossa angústia, a nossa busca. Então, o
"veneno" do desejo carrega em si o próprio antídoto.
A ira é
um grilhão sério, um dos maiores sustentos do Carma por sua onipresença em
nosso dia a dia e efeitos que desencadeia. Ficamos irados sempre que
nosso desejo é ameaçado, quando algo ou alguém se coloca entre nós e o objeto
de nossa cobiça. A ira busca proteger tudo que afeta o ego e, portanto, suas
posses.
Luxúria é
o desejo focalizado ao extremo na sexualidade, a mente convertendo em sexo toda
intenção, todo olhar. A luxúria perverte tudo aquilo que toca. Podendo elevar
ou degradar, mais frequentemente a energia sexual nos degrada – em seu mau uso
– pela ignorância quanto à sua real natureza. Finalmente, a cobiça – casando-se
muito bem com a ira (que a defende) e a luxúria (que a realiza) – é o próprio
campo do desejo. Aí estão os três grilhões apoiando-se mutuamente.
Segundo
Mehta[2], yoga – significando união – é “a viagem da
inconsciência para a consciência”, tendo a meditação como suporte. Auxiliada
pela devoção, torna-se a via mais rápida. Na essência, porém, todo caminho que
gera união – ligando o terreno ao divino – faz o trabalho do yoga. Na medida em
que percebemos o efeito real dos pecados (prisão, sofrimento, mas não “danação
eterna”), nosso desejo se volta para esses caminhos de libertação. Para chegar
a esta, porém, só pelo exercício da vontade.
Como
divina contraparte do desejo, a vontade o sublima em valores mais altos até
extinguir os grilhões que nos prendem neste mundo, incluindo o próprio desejo.
Perdemos alguma coisa? Não. Criador de gozos efêmeros, fantasias e
dependências, ao partir, o desejo nos presenteia com o gozo maior – livre das
limitações do tempo – que nos aguarda na plenitude do nirvana, ou Autorrealização.
Para Ramana Maharshi, a Paz Suprema. Essa é a união que buscamos.
[1] Membro
da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
[2] MEHTA,
Rohit. “Yoga, a arte da integração”, Editora Teosófica.
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