terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Inconsciente: o peso que repartimos com o mundo


Walter da Silva Barbosa[1]
“Não julgueis para não serdes julgados”. Muito mais que a possibilidade de um julgamento posterior, em virtude de julgar alguém, a frase crística indica o retorno instantâneo sobre nós da condenação dirigida ao outro, pois a cor dos óculos com que vemos o mundo – fazendo julgamentos – mostra o que carregamos internamente. Não estamos julgando o outro, mas sim a nós mesmos.
           
Sigmund Freud, entre outros méritos, teve o de captar esse processo de transferência a que chamou de projeção. “A projeção psicológica reduz a ansiedade por permitir a expressão de impulsos inconscientes, indesejados ou não, fazendo com que a mente consciente não os reconheça. Um exemplo de tal comportamento pode ser o de culpar determinado indivíduo por um fracasso próprio”.
           
Tudo que carregamos no inconsciente cria enorme peso em nossa vida e, como é óbvio, sobre a vida dos outros. Robert Bly[2] chama esse peso de “A comprida sacola que arrastamos atrás de nós”. Qual seu efeito? “Quando colocamos uma parte de nós na sacola, essa parte regride. Retrocede ao barbarismo. Imagine um rapaz que lacra a sacola aos 20 e espera uns quinze ou vinte anos para reabri-la. O que irá encontrar? É triste, mas toda a sexualidade, selvageria, impulsividade, raiva e liberdade que ele colocou na sacola regrediram; não apenas seu temperamento se tornou primitivo como elas agora são hostis à pessoa que abre a sacola” diz Bly (se, por qualquer razão, a sacola nunca se abre isso poderia levar à loucura, quando a pessoa conversa em voz alta com a própria sombra?).
           
Para viver essa hostilidade – inclusive, repassando-a aos outros – nem é necessário abrir a sacola, pois tudo que reprimimos extravasa em atos e palavras o tempo todo. Ou em certos rompantes que, de maneira imprevista, podem escapar ao nosso controle. É a complexidade dos lixos claros e ocultos do ego. O inverso de colocar coisas na sacola é, naturalmente, submetê-las ao olho da consciência. Há, porém, um grande obstáculo para isso: o próprio lixo acumulado na tal sacola, como impureza mental.
           
A consciência espiritual é expressão do “eu divino”, que só bem devagar toma conta de nossos atos, como consciência física. Submeter algo a essa consciência é, sem uso de palavras, “ver as coisas como elas são” na linguagem de Tolle[3] e, em seguida, agir conforme sua real natureza. Se conseguíssemos ver nesse nível – como é capaz a mente pura dos homens santos – o processo seria tranquilo a partir de um impulso interior, não desviado pela mente. A consciência espiritual dirigiria nossa vida, ao invés de apenas enviar “flashes” de intuição, em geral perdidos na inconsciência diária.
           
Portanto, a chave-mestra para a consciência é a purificação da mente. Iniciando tal processo, duas técnicas essenciais – inerentes aos Yogasutras de Patanjali – são aplicáveis desde já:
1ª) Desenvolver a capacidade de observação, olhando as coisas sem julgar, tendo a mente apenas como testemunha, de modo que as percepções sensoriais cheguem sem interpretação à consciência (palavras obscurecem seu trabalho);
2ª) Meditar diariamente, ainda que 15 minutos, aplacando a ansiedade e aumentando a clareza mental. Isso aos poucos reduzirá a “comprida sacola que arrastamos atrás de nós” e também as projeções, atenuando a triste rotina de autodefesa do ego, à custa de colocar em ombros alheios o insuportável peso de nossa própria inconsciência.


[1]Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência – UNICONS.
[2] “Ao Encontro da Sombra”, Editora Cultrix.
[3] TOLLE, Eckhart. “O Poder do Agora”, editora Sextante.

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