Walter da Silva Barbosa[1]
“Não julgueis
para não serdes julgados”. Muito mais que a possibilidade de um julgamento
posterior, em virtude de julgar alguém, a frase crística indica o retorno instantâneo
sobre nós da condenação dirigida ao outro, pois a cor dos óculos com que vemos
o mundo – fazendo julgamentos – mostra o que carregamos internamente. Não
estamos julgando o outro, mas sim a nós mesmos.
Sigmund Freud, entre
outros méritos, teve o de captar esse processo de transferência a que chamou de
projeção. “A projeção psicológica reduz a ansiedade por permitir a expressão de impulsos
inconscientes, indesejados ou não, fazendo com que a mente consciente não os
reconheça. Um exemplo de tal comportamento pode ser o de culpar
determinado indivíduo por um fracasso próprio”.
Tudo que carregamos no inconsciente cria
enorme peso em nossa vida e, como é óbvio, sobre a vida dos outros. Robert Bly[2]
chama esse peso de “A comprida sacola que arrastamos atrás de nós”. Qual seu efeito?
“Quando colocamos uma parte de nós na sacola, essa parte regride. Retrocede ao
barbarismo. Imagine um rapaz que lacra a sacola aos 20 e espera uns quinze ou
vinte anos para reabri-la. O que irá encontrar? É triste, mas toda a
sexualidade, selvageria, impulsividade, raiva e liberdade que ele colocou na sacola
regrediram; não apenas seu temperamento se tornou primitivo como elas agora são
hostis à pessoa que abre a sacola” diz Bly (se, por qualquer razão, a sacola
nunca se abre isso poderia levar à loucura, quando a pessoa conversa em voz
alta com a própria sombra?).
Para viver essa hostilidade – inclusive,
repassando-a aos outros – nem é necessário abrir a sacola, pois tudo que
reprimimos extravasa em atos e palavras o tempo todo. Ou em certos rompantes
que, de maneira imprevista, podem escapar ao nosso controle. É a complexidade
dos lixos claros e ocultos do ego. O inverso de colocar coisas na sacola é, naturalmente,
submetê-las ao olho da consciência. Há, porém, um grande obstáculo para isso: o
próprio lixo acumulado na tal sacola, como impureza mental.
A consciência espiritual é expressão do
“eu divino”, que só bem devagar toma conta de nossos atos, como consciência
física. Submeter algo a essa consciência é, sem uso de palavras, “ver as coisas
como elas são” na linguagem de Tolle[3]
e, em seguida, agir conforme sua real natureza. Se conseguíssemos ver nesse
nível – como é capaz a mente pura dos homens santos – o processo seria tranquilo
a partir de um impulso interior, não desviado pela mente. A consciência espiritual
dirigiria nossa vida, ao invés de apenas enviar “flashes” de intuição, em geral
perdidos na inconsciência diária.
Portanto, a chave-mestra para a
consciência é a purificação da mente. Iniciando tal processo, duas técnicas essenciais
– inerentes aos Yogasutras de Patanjali – são aplicáveis desde já:
1ª) Desenvolver a capacidade de observação,
olhando as coisas sem julgar, tendo a mente apenas como testemunha, de modo que
as percepções sensoriais cheguem sem interpretação à consciência (palavras
obscurecem seu trabalho);
2ª) Meditar diariamente, ainda que 15
minutos, aplacando a ansiedade e aumentando a clareza mental. Isso aos poucos
reduzirá a “comprida sacola que arrastamos atrás de nós” e também as projeções,
atenuando a triste rotina de autodefesa do ego, à custa de colocar em ombros
alheios o insuportável peso de nossa própria inconsciência.
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