Por Fábio de Castro (*)
As políticas de inclusão digital, que estimulam o uso de computadores nas
escolas, podem estar gravemente equivocadas, de acordo com um estudo realizado
na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisa mostra que o uso de
computadores para fazer tarefas escolares está relacionado ao pior desempenho
dos alunos - principalmente entre os mais pobres e mais jovens.
O trabalho, publicado na revista Educação e Sociedade, foi coordenado
por Jacques Wainer, do Instituto de Computação, e por Tom Dwyer, do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. A equipe utilizou dados do
Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2004.
Mais computador, nota mais baixa
"Existe hoje uma posição dominante favorável ao uso do computador
nas escolas, como se ele estivesse associado a uma melhoria uniforme no
desempenho do aluno. Mas constatamos que ocorre o contrário: entre alunos
da mesma classe social os que sempre usam têm pior desempenho", disse
Wainer à Agência FAPESP.
Do ponto de vista de políticas públicas, o estudo aponta que é preciso
entender melhor o fenômeno do impacto dos computadores nas notas dos alunos
antes de defender a inclusão digital baseada na distribuição de tais
equipamentos.
Um laptop por estudante
"Idéias como a de dar um laptop para cada criança parecem péssima
opção, principalmente considerando que ele piora o desempenho escolar entre as
crianças mais pobres. Corremos o risco de transformar a inclusão digital em uma
exclusão educacional", afirmou Wainer.
Segundo ele, a pesquisa foi derivada do Mapa da Exclusão Digital,
publicado pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro em 2003. O documento
apontava um melhor desempenho no Saeb entre os estudantes que tinham
computador em casa.
Computador nas tarefas escolares
"O documento dava um argumento favorável às políticas de inclusão
digital. Mas havia problemas metodológicos: em geral quem tem computador em
casa são os alunos mais ricos, que normalmente têm melhor desempenho. Para
eliminar esse viés resolvemos considerar a classe social e focar no uso para
tarefas escolares", explicou.
O Saeb de 2004, segundo Wainer, prestava-se ao propósito, uma vez que
incluía uma pergunta sobre a freqüência com que os alunos utilizavam o
computador para tarefas escolares: nunca, raramente, de vez em quando e
sempre. "Usamos esses dados sobre alunos de 4ª e 8ª série do ensino
fundamental e do 3º ano do ensino médio e pudemos avaliar a variação do
desempenho nas provas de matemática e português de acordo com a classe
econômica, dividida em sete estratos", explicou o professor do Instituto
de Computação da Unicamp.
Uso do computador entre estudantes
pobres
Os resultados mostraram que, na 4ª série, os estudantes de classe alta
que usaram raramente o computador para as tarefas tiveram, em média, 15 pontos
a menos do que os que nunca o fizeram - tanto em português quanto em
matemática.
Dentre os mais pobres os que usaram o computador, mesmo raramente,
tiveram nota pior do que os que nunca usaram, com uma diferença média de 25
pontos em português e 15 pontos em matemática. "O resultado mais
importante, no entanto, surgiu quando os estudantes disseram sempre usar o
computador. Entre esses, não importou a classe social ou disciplina, o
desempenho foi sempre pior do que entre os que nunca usaram", disse
Wainer.
Português e matemática
Entre os alunos da 8ª série, o quadro foi semelhante, mas houve uma
melhora na prova de português entre os alunos que usaram raramente o
computador. Em matemática, a diferença não foi significativa. "Mesmo
assim, na 8ª série os mais pobres que usaram raramente ainda se saíram pior do
que os que nunca usaram. Entre os mais ricos, os alunos que usaram raramente
estiveram um pouco melhor do que os que não usaram", contou.
Em matemática, para a maioria das classes sociais da 8ª série, os alunos
que usaram raramente o computador se saíram melhor do que os que nunca o
fizeram. "Por outro lado, quem usou sempre teve desempenho pior do que os
que nunca usaram, em todos os casos", destacou Wainer. Todos os dados
passaram por teste de significância estatística, para eliminar o chamado ruído
estatístico.
Razões desconhecidas
Segundo Wainer, a pesquisa constata apenas estatisticamente que os
alunos que sempre usam o computador para suas tarefas têm pior desempenho. Mas
não há dados para explicar por que o uso intenso piora as notas e por que o
efeito é mais grave entre crianças de classes sociais mais baixas.
"Só podemos especular sobre os motivos. Para conhecê-los será
preciso que outros especialistas utilizem ferramentas diferentes para realizar
estudos qualitativos. O importante é destacar que os resultados são coerentes
com outros estudos internacionais", afirmou.
Computador não é ferramenta neutra
O pesquisador destaca que a avaliação de que o computador é uma
ferramenta neutra é equivocada. "Como o computador é bom para nós,
professores, por exemplo, tendemos a achar que ele é útil para todos. Mas ele
não é uma solução mágica para a educação", disse.
(*) Fonte Agência FAPESP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário