quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Guerra de egos: até quando nos enganará?


Walter da Silva Barbosa[1]
Ante qualquer resistência, sempre pensamos que pelo uso da força resolvemos nossos problemas e, por extensão, os problemas do mundo. Ao longo dos tempos, o medo tem sido o instrumento básico para gerar obediência, sendo substituído pela propina quando a violência não é possível, ou não é desejável. Quantas vezes, a partir dos lares, a chantagem tem ocupado o lugar da consciência em nossas relações?

O que representa a obediência? Subordinação do ego, determinando sua renúncia ao livre-arbítrio. Quando a obediência é imposta, vindo de fora para dentro, essa renúncia é temporária dependendo da presença de quem coage porque fermenta a revolta, o desejo de fuga e revide naquele que obedece. É uma questão de tempo, sob influência da “re-atividade”, que é a atividade moldada na energia do passado.

Se, entretanto, a obediência vem de dentro para fora, como aceitação de um fato – mesmo ante a violência externa – a revolta é substituída pela paz. É um sentimento de anuência ao fluxo ininterrupto da vida, que inclui o dedo invisível mas onipresente do Carma. O passado morre aí, eliminando a reatividade e a guerra dos egos, que vai desde a necessidade diária de ganhar discussões, de estar sempre certo, até os conflitos mundiais.

Quando a obediência é gerada em nosso interior, seu berço é a consciência. Nesse caso, o eu pessoal (ego) está abrindo lugar ao Ser. Por meio dessa abertura, o novo começa a surgir à nossa volta. É um grande salto, pois a energia da separatividade – defendendo o patrimônio do ego – tem alergia à convivência com aquilo que busca unir, transcendendo as barreiras de segurança. Nada é mais temível que o novo, pois coloca em risco o status acumulado em torno de uma pessoa ou sistema. Para a matéria “qualquer tipo de concessão representa a morte” (literalmente, a morte do ego).

Enquanto a aceitação se baseia no Ser, a reatividade é fruto da mente. Para Mehta[2], todos os pensamentos são reativos, como energias do passado. Em razão disso, não são capazes de solucionar conflitos, apesar das montanhas de dinheiro gastas nessa tentativa pelos governos em todo o mundo. Agindo sobre a projeção de nossos problemas, esses esforços são puramente mentais, e a habilidade da mente se resume em criar problemas e não em eliminá-los, como lembra Tolle[3].

A verdade a esse respeito é constatada em nosso dia a dia. No seio das famílias os conflitos se arrastam interminavelmente, sob o impulso da energia de ontem. Esse é o espaço-tempo do ego. Fora disso ele não vive. Em compensação, enquanto ele vive, lentamente definhamos como Ser, apagando a energia de vida que só encontra expansão no agora. Essa é a magia da criança, onde o novo é descoberto a cada instante, sob o impulso da imaginação desprovida de medos.

 A divisão de nossa realidade entre “Ser” (eu superior) e “ego” (eu inferior), como estabelece a filosofia esotérica, explica nossa dualidade consciencial. A ela se refere o apóstolo Paulo quando diz "Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço". 

Gerada na dualidade espírito-matéria e refletida na própria mente – uma sutil, ligada ao espírito, outra mais densa, ligada à matéria – tal divisão é no entanto fictícia para Maharshi[4]. Segundo ele, a única coisa existente é o Ser. Tudo que interessa é chegar a essa realidade, num movimento que não precisa ir a lugar algum para fazer seu trabalho: triturar o ego e seus conflitos, decantando no fundo da bateia a gema radiante da sabedoria, pelas mãos do Divino Garimpeiro. Trata-se apenas de mudança vibratória, focando permanentemente nossa atenção naquilo que é mais elevado.

Estando, porém, identificados com a ilusão das posses e dos sentidos físicos, no campo mais grosseiro da mente, nos encantamos com a forma, o cheiro, o sabor. Tudo isso passa, como bem sabemos. Mas é tal identificação que cria o ego. Ainda que considerado um "falso eu", ele origina dores bem verdadeiras em nosso caminho, sendo o autor de todas as atrocidades cometidas no mundo.

A saída para o dilema pode estar na expressão "Orai e vigiai" ensinada pelo Cristo. Orar é buscar a comunhão com o Ser, criando a vibração do retorno. Meditar é uma das chaves para isso. Estar no Agora (a meditação permanente) é outra, pondo atenção plena em tudo que fazemos, como canais do Eterno. A partir daí, vigiar é estar consciente dos pensamentos e sentimentos, como reflexos dos movimentos da vida, encontrando a solução dos problemas segundo a "melhor ordem" do amor.

Sem substância real como o próprio ego são nossas disputas em torno dele. Quanto mais depressa admitirmos isso, segundo os Mestres, mais rapidamente abandonaremos o círculo da ignorância e do sofrimento, elevando nosso campo vibratório pelo serviço altruísta, pela purificação física, emocional e mental, permitindo que Deus em nós se manifeste através desse campo. Buda resume isso na seguinte frase: “Deixar de fazer o mal, fazer o bem, purificar a mente – tal é o ensinamento daqueles que despertaram”.


[1]Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.
[2] MEHTA, Rohit. “Yoga – a Arte da Integração”, Editora Teosófica.
[3] TOLLE, Eckhart. “O Poder do Agora”, Editora Sextante.
[4] MAHARSHI, Ramana. “Os Ensinamentos de Ramana Maharshi em suas palavras”, Editora Advaita.

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