Walter da Silva Barbosa[1]
Muitas vezes tenho refletido
sobre a questão da velhice. Em parte, naturalmente, porque dela me aproximo.
Seria um estado do corpo ou da alma?
Conheci um senhor que durante a
vida inteira fora muito ativo, realizador no sentido material, e também muito vaidoso
por isso. Para externar essa vaidade, sempre necessitou de platéias, contando-lhes
repetidamente histórias carregadas de valores do “ego”: autoridade, valentia e
superação dos outros. Aos 92 anos, porém, as forças e a memória haviam decaído
muito, enquanto a “platéia” se reduzira a ele próprio. Uma experiência inteiramente
nova bateu-lhe à porta. Seu nome? Solidão.
A alma, como ensina a Teosofia,
não nasceu com o corpo. É milenar. As diferenças entre os homens não são apenas
uma questão de idade física ou oportunidades desta vida. Além de, provavelmente,
termos entrado no reino humano em épocas diferentes, seguimos caminhos determinados
por nossas escolhas (e pelo carma conseqüente). Milhares de anos de experiência
podem separar um homem do outro, apesar de estarem vivendo lado a lado.
Quanto aprendemos em cada
encarnação? Depende, em grande parte, da maturidade com que entramos nela. Apesar
de os fatos desta vida praticamente nos igualarem em termos de oportunidades de
consciência – das famílias carnais às “comunitárias” – aqueles mais adiantados
naturalmente aprendem mais rápido, pois “consciência chama consciência”. Assim,
o significado da velhice também difere para cada um de nós.
Quantas senhoras e cavalheiros
perseguem inutilmente a juventude –
esticando peles ou entornando “Viagras” – ao passo que outros, menos dependentes do brilho do “ego”, envelhecem
com serenidade, colhendo os suaves frutos que só a maturidade pode oferecer?
A Dra. Burkhard[2],
médica antroposófica, escreve sobre as experiências próprias dessa fase
extraordinária da vida, onde normalmente não mais sofremos as pressões da
sobrevivência ou da reprodução da espécie, mas, em compensação, o corpo também
já não responde como antes, libertando energias dos músculos, do sistema
digestivo e do baixo ventre (levando à menopausa e à andropausa). Ela diz: “A
liberação de forças desses órgãos possibilita uma nova criatividade, que cada
um tem de achar por si numa área que lhe seja conveniente”.
Tal criatividade pode estar
voltada para o exterior, aí surgindo “os últimos impulsos para a realização do
carma”, mas “essa criatividade pode dirigir-se também para o íntimo, ao
olharmos para nossa oficina interior e descobrirmos novas obras que possam ser
buscadas lá dentro”. Realizações internas! Eis o que a vida parece estar nos
pedindo, ao menos quando o tempo das realizações externas concretamente se
findou.
Parecendo um tesouro, o ego (eu
material) na verdade é prisão ingrata, cujos muros não conseguimos enxergar. Relembrando
aquele senhor, vê-se que superara muitos homens ao longo da vida, mas chegava
ao fim sem conseguir vencer seu maior inimigo: ele mesmo. A solidão o engolia
por estar centrado no “eu” sedento de poderes (aqueles que só existem se houver
o “outro”). Sua identidade era prisioneira do “outro”, mas também das armas
para “vencê-lo”: o corpo e a memória. Estando estes decadentes, o que lhe
restava?
Aceitar o envelhecimento não
significa encarquilhar-se com o corpo. Temos na alma muitíssimo mais idade do
que no corpo, mas enquanto este se enruga, ela não. Identificando-nos com a
alma, vemos no “outro” um companheiro de jornada – ao invés de adversário – e no corpo aquilo que ele é: um acessório com suas
próprias leis. Deixamos então que siga seu caminho, enquanto seguimos o nosso. Ele
é pó, nós somos consciência.
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