Walter da Silva Barbosa[1]
“Observai as aves do céu: não
semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros, contudo vosso Pai celeste as
sustenta. Porventura não valei vós muito mais do que as aves?” diz o Cristo.
Seria essa, porém, a nossa realidade? Sabemos que não. O obstáculo é a presença
do ego no homem. Aves não têm ego, como os demais membros do reino animal. Vivendo
de acordo com as leis divinas, para elas a natureza tudo provê.
Fonte de conflitos no mundo, o
ego é considerado um problema. Na essência, porém, atua como oposição criadora
em nossa vida. A evolução não existiria sem ele, continuando o homem primordial
na inconsciência do “paraíso”. Engendrando um poder à sombra do próprio ego, as
religiões fazem de seus pecados um mal externo, objeto da demonologia. Ao mesmo
tempo negam a evolução – sob a ideia de uma vida única sem sentido – com
sujeição a um Deus às vezes cruel. O que resta de Deus? O que sobra do homem?
Tido como “eu” ilusório
relativamente ao Ser, o ego é autocentrado e movido pelo desejo. Por sua vez, o
desejo é a alavanca do mundo. Daí ser mais fácil entender as pessoas
“egoístas”: estão na fase em que se fortalecem materialmente, inclusive no
campo intelectual. Essa fome de ganhos envolve bens físicos, mentais e emocionais
(o que explica a relação entre posse e amor humano), sempre reforçando o ego em
busca de poder. Assim ele garante sua continuidade, refletindo uma aspiração mental.
Como tudo que o ego busca é
transitório, ele é também fonte de sofrimento. Por isso o sábio Ramana Maharshi
diz: “Se alguém que amamos morre, isso causa sofrimento àquele que continua
vivo. A maneira de se livrar do sofrimento é não continuar vivendo. Mate o
sofredor. Assim quem estará lá para sofrer? O ego deve morrer, é o único
jeito”.
A vida, porém, é uma jornada
interminável. Jamais começou e por isso não tem fim, sendo Deus sua existência
em cada um de nós. Nisso é que se baseia a vida eterna ensinada em todas as
religiões, ainda que os fiéis insistam em procurar causas externas, ignorando
os textos sagrados.
Por sinal, o ego busca poder
ambicionando a onipotência do Pai, utilizando, porém, os únicos meios que
conhece: valores que passam. Daí estar condenado à morte. Mas não se trata de
um sacrifício inútil: é no adubo essencial desse cadáver de glórias efêmeras
que nasce a “flor de lótus” das glórias do Eterno. Como chegar a isso? Onde começa
a luta do ego para existir e crescer?
Se o ego morre é porque tem
começo. Isso ocorre quando a centelha divina que somos – colhendo experiência
nos diversos reinos – passa do animal para o humano. Aí ele surge na mente
concreta como um “eu” portador de nome, graus acadêmicos e outras posses
transitórias. Ao nos identificarmos com elas cria-se o ego, que se apodera de
nós, tornando-se um problema. Mas é também a solução: o último desafio rumo a
Deus é justamente transformar em poder espiritual o poder material nele
acumulado.
Introduzindo a questão, I. K. Taimni
diz: “Em nossa vida mundana, temos que depender de diferentes objetos ou
pessoas para suprimento de nossas múltiplas necessidades, pois sendo todos
limitados, imperfeitos e inadequados, não podem fornecer tudo de que
necessitamos. Mas Deus é a fonte de tudo no mundo e pode prover-nos do que quer
que necessitemos e mereçamos” (“Autorrealização pelo Amor”, Editora Teosófica).
A que se refere Taimni, equiparando
o homem às “aves do céu”? A uma condição muito especial: a renúncia ao ego no Caminho
do Amor (Bhakti Yoga). Autorrealizar-se aí é direcionar todos os atos,
sentimentos e pensamentos para Deus, unificando nossa consciência com ele e dissolvendo
o véu que encobre nossa natureza real.
Estabelecidos então “na própria
fonte da satisfação de todos os desejos, nada resta a ser desejado”, diz
Taimni. Pode o ego seguir existindo? Impossível. Alçado o poder à sua fonte
original, o ego murcha como balão sem gás. Aí, sem perder a individualidade (cimentada
no berço da matéria), a gota pequenina que somos – do oceano inimaginável de
Deus – retorna ao lar de onde realmente nunca saiu. Ela e o oceano se tornam Um.
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