terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Corpo de dor: o prazer do sofrimento


Walter da Silva Barbosa[1]
Como é possível alguém gostar de sofrer? Difícil acreditar. Entretanto, é nitidamente o que acontece quando nos agarramos a sentimentos como vingança, provocação dos outros – muito comuns no trânsito – discussões intermináveis e outras manifestações do ego contrárias à serenidade (a alegria sem opostos).

A partir da realidade espiritual – onde o amor e paz existem para sempre, e por isso são ansiados por nós – o sentido da vida se baseia na busca da felicidade. O que entendemos a respeito, contudo, inclui qualquer manifestação de prazer, como recompensa mais próxima ao nosso alcance, puxando-nos para o agora, amenizando a insatisfação latente que em sentido amplo gera o impulso evolutivo.

O pano de fundo desse quadro é a dor psicológica – ou sofrimento (inicialmente dói só na alma) – em geral inexplicável em relação ao que vivemos neste exato momento. Para essa constatação, basta nos perguntarmos: onde está doendo agora? Quando não tem saída para a consciência, extinguindo-se, esse sofrimento se acumula formando o que Eckhart Tolle[2] denomina corpo de dor.

“A vida só acontece no agora”, também diz Tolle, sendo a percepção desse fato um dos portais para a iluminação. A razão é clara: a pessoa que vive no agora eliminou a necessidade de buscar ou “chegar”. Já chegou, descobrindo que o tesouro buscado sempre esteve com ela. A atração pelo futuro não mais pressiona sua vida. E o passado? Obviamente ela também já se livrou desse peso, habilitando-se a penetrar no mistério da totalidade da vida, que é também a totalidade da consciência.

Incluindo tendências cultivadas em vidas anteriores, o passado impacta o presente não só pela memória dos fatos, processada no corpo mental, mas principalmente pela memória energética. Reconhecida no corpo físico pelas trilhas neuronais (reação do corpo aos pensamentos e emoções), a memória energética tem vida própria – consciência – buscando sobreviver como qualquer outra forma de vida.

A filosofia esotérica denomina essa forma de vida como “pensamento-emoção”. Formando uma bolha energética do lado de fora do corpo físico, ela se nutre especialmente das emoções e pensamentos negativos, fazendo com que eles retornem sempre. Quando vamos esquecendo-os a bolha descarrega sua energia em nós e o pensamento-emoção volta. Assim ela vai “engordando” cada vez mais. O que é isso, senão um “corpo de dor”, dotado de quase infinita capacidade de autorregeneração?

Somente uma força pode mudar esse quadro: chama-se consciência. Isso não significa pensar sobre o problema, o que apenas reativa a “história triste” por trás dele, chamando de volta a emoção indesejada. A consciência importa em render-se ao sofrimento, observar seu efeito em nosso corpo (pontos de tensão, energia aprisionada) sem reclamação, sem queixas. Isso é aceitar a realidade – esgotando seus efeitos – coisa que em geral buscamos evitar, dando-lhe mais força.

Segundo a filosofia do yoga, a atração e a repulsão têm igual peso no sentido de provocar dor. Em razão disso o ódio desenvolve ao longo dos anos um formidável poder destrutivo, especialmente no caso das nações, onde o pensamento-emoção coletivo forma um imenso corpo de dor. Dificilmente ele poderá desaparecer, pois as pessoas o estão continuamente desfrutando e alimentando com suas rixas.

Quando não conseguimos eliminar o corpo de dor, ele deixa de ser um monstrinho apenas emocional-mental, para lançar raízes em nosso corpo físico. Torna-se gastrite, câncer e outros males, assim como, nacionalmente, provoca as guerras, podendo nos levar prematuramente deste mundo.


[1] Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência-UNICONS.
[2] “O despertar de uma nova consciência”, Editora Sextante.

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