Muito tempo atrás havia um rei
chamado Janashruti que governava o reino de Mahavrisha, na Índia. Ele tinha uma
disposição muito caridosa e era conhecido por sua filantropia. Sentia-se orgulhoso
disso e pensava ter acumulado muitos méritos.
Certa noite, o rei descansava no
terraço de seu palácio, quando um casal de cisnes passou voando. O macho disse
à fêmea: “Você não viu o feixe brilhante de luz que emana do Rei Janashruti?
Não cruze esse feixe, pois ficará queimada. O rei lança essa luz por causa de
suas inúmeras caridades”. A fêmea riu e disse: “Por que você me ameaça? Somos
peregrinos do céu. Além disso, qual é o mérito desse rei comparado ao de
Raikva, o carroceiro?”
O rei ouviu essa conversa e ficou
inquieto. Decidiu procurar Raikva para descobrir o que o fizera dono de mais
mérito que ele, a despeito de todas as suas caridades. Depois de muita busca, o
carroceiro foi encontrado em uma pequena aldeia. O rei foi ao seu encontro e
levou-lhe muitos presentes, prestando-lhe homenagens.
Raikva, porém, disse ao rei: “Oh
real amigo, por que desperdiçar essas coisas preciosas comigo? Tudo isso e uma
centena de reinos não podem comprar conhecimento espiritual... Essas quinquilharias
não têm valor para mim”. O rei sentiu-se muito ferido com as palavras de Raikva
e voltou para o seu palácio, desapontado.
Como na história do rei
Janashruti, nossa jornada espiritual é pontilhada de desapontamentos e perdas -
e aí está o crescimento, já que a tônica dessa aventura é o paradoxo. Nela, as
leis são exatamente opostas às que regem o sucesso no mundo. Ao dizer “Dai a
César o que é de César e a Deus o que é de Deus” Jesus nos ensinou isso.
Na obra “O Chamado dos
Upanixades” - onde a história acima se encontra - Rohit Mehta escreve: “O homem
só tem certeza sobre o conhecimento quando é capaz de lhe dar um nome”. Com
base nessa perspectiva, ele monta sua estrutura de valores e ela funciona no
mundo externo, porque aí todas as pessoas pensam e reagem da mesma forma.
Porém, o nome é apenas um rótulo, não é a coisa. No mundo interno o que conta é
a essência.
“O
mundo externo é governado por leis de tempo e espaço, porque todas as coisas
são compostas e interagem entre si, dentro do tempo e do espaço. No mundo
interno, não existe tempo nem espaço. Apenas uma única e indivisível
totalidade, onde os eventos acontecem espontaneamente, de momento em momento,
sem uma interação linear”, esclarece-nos o teósofo Einar Adalsteinsson. Tudo isso aponta numa só direção: o Espírito não
pode ser controlado. Ou, nas palavras do apóstolo Paulo, “Com Deus não se
barganha”.
Na história acima, o rei acabou voltando
humildemente ao carroceiro e foi aceito como seu discípulo, sendo-lhe ensinado
que o “Espírito, em si mesmo incriado, criou tudo e tudo sustenta. O Espírito
nada come, isto é, ele não precisa de nada. Ele é auto-sustentado e
auto-suficiente. Tudo pertence ao Espírito, todas as coisas não passam de
instrumento de sua vontade”.
Na despedida, o carroceiro disse:
“Volte, grande rei, para seu palácio. Doe, mas não com orgulho, não com um olho
na fama. Dê, não como algo que é seu, mas que lhe é dado pelo Espírito para dar
aos outros. Aquele que vê essa verdade se torna um vidente e para ele nada
falta, ele se torna o desfrutador de todas as coisas”.
Saber-se mero desfrutador- e não
dono - é o estado daquele que alcança a iluminação. Contudo, estando ligado ao
Espírito, paradoxalmente tudo passa a pertencer-lhe pela essência, o que
corresponde à “Plenitude do Vazio” na tradição Zen. Algo que “os ladrões não
roubam, nem a traça corrói”.
Walter Barbosa, membro da SOCIEDADE TEOSÓFICA
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