terça-feira, 18 de outubro de 2011

O rei e o carroceiro


Muito tempo atrás havia um rei chamado Janashruti que governava o reino de Mahavrisha, na Índia. Ele tinha uma disposição muito caridosa e era conhecido por sua filantropia. Sentia-se orgulhoso disso e pensava ter acumulado muitos méritos.

Certa noite, o rei descansava no terraço de seu palácio, quando um casal de cisnes passou voando. O macho disse à fêmea: “Você não viu o feixe brilhante de luz que emana do Rei Janashruti? Não cruze esse feixe, pois ficará queimada. O rei lança essa luz por causa de suas inúmeras caridades”. A fêmea riu e disse: “Por que você me ameaça? Somos peregrinos do céu. Além disso, qual é o mérito desse rei comparado ao de Raikva, o carroceiro?”

O rei ouviu essa conversa e ficou inquieto. Decidiu procurar Raikva para descobrir o que o fizera dono de mais mérito que ele, a despeito de todas as suas caridades. Depois de muita busca, o carroceiro foi encontrado em uma pequena aldeia. O rei foi ao seu encontro e levou-lhe muitos presentes, prestando-lhe homenagens.

Raikva, porém, disse ao rei: “Oh real amigo, por que desperdiçar essas coisas preciosas comigo? Tudo isso e uma centena de reinos não podem comprar conhecimento espiritual... Essas quinquilharias não têm valor para mim”. O rei sentiu-se muito ferido com as palavras de Raikva e voltou para o seu palácio, desapontado.

Como na história do rei Janashruti, nossa jornada espiritual é pontilhada de desapontamentos e perdas - e aí está o crescimento, já que a tônica dessa aventura é o paradoxo. Nela, as leis são exatamente opostas às que regem o sucesso no mundo. Ao dizer “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” Jesus nos ensinou isso.

Na obra “O Chamado dos Upanixades” - onde a história acima se encontra - Rohit Mehta escreve: “O homem só tem certeza sobre o conhecimento quando é capaz de lhe dar um nome”. Com base nessa perspectiva, ele monta sua estrutura de valores e ela funciona no mundo externo, porque aí todas as pessoas pensam e reagem da mesma forma. Porém, o nome é apenas um rótulo, não é a coisa. No mundo interno o que conta é a essência.

“O mundo externo é governado por leis de tempo e espaço, porque todas as coisas são compostas e interagem entre si, dentro do tempo e do espaço. No mundo interno, não existe tempo nem espaço. Apenas uma única e indivisível totalidade, onde os eventos acontecem espontaneamente, de momento em momento, sem uma interação linear”, esclarece-nos o teósofo Einar Adalsteinsson. Tudo isso aponta numa só direção: o Espírito não pode ser controlado. Ou, nas palavras do apóstolo Paulo, “Com Deus não se barganha”.

 Na história acima, o rei acabou voltando humildemente ao carroceiro e foi aceito como seu discípulo, sendo-lhe ensinado que o “Espírito, em si mesmo incriado, criou tudo e tudo sustenta. O Espírito nada come, isto é, ele não precisa de nada. Ele é auto-sustentado e auto-suficiente. Tudo pertence ao Espírito, todas as coisas não passam de instrumento de sua vontade”.

Na despedida, o carroceiro disse: “Volte, grande rei, para seu palácio. Doe, mas não com orgulho, não com um olho na fama. Dê, não como algo que é seu, mas que lhe é dado pelo Espírito para dar aos outros. Aquele que vê essa verdade se torna um vidente e para ele nada falta, ele se torna o desfrutador de todas as coisas”.

Saber-se mero desfrutador- e não dono - é o estado daquele que alcança a iluminação. Contudo, estando ligado ao Espírito, paradoxalmente tudo passa a pertencer-lhe pela essência, o que corresponde à “Plenitude do Vazio” na tradição Zen. Algo que “os ladrões não roubam, nem a traça corrói”.

Walter Barbosa, membro da SOCIEDADE TEOSÓFICA

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