terça-feira, 18 de outubro de 2011

Do finito ao infinito


O amor materno muitas vezes chega a ser considerado divino, apesar de sabermos que um amor desta categoria não faz distinções. O amor divino é incondicional. Ultrapassa as barreiras de sangue, de raça, de sexo, de país. É algo a ser desenvolvido em todos os seres, quer estejam na veste masculina ou na feminina, pelo aprendizado que os relacionamentos oferecem.

Polarizado em suas crias, o instinto materno é uma força essencial para a geração e preservação da vida física. A mulher inclina-se nessa direção mesmo quando muito bela e admirada, sabendo que durante algum tempo seu corpo perderá o apelo sensual, algo do encanto que prende o macho, assumindo em contrapartida o apelo da vida.

A filosofia esotérica ensina que tudo o que acontece na vida do homem é reflexo do plano divino. Assim, a relação “pai, mãe e filho” que sustenta a vida de um ser humano não é diferente daquela que sustenta o Universo, como filho da união do Espírito com a Matéria. A Trindade Divina - bem clara na teogonia egípcia como “Osíris, Ísis e Hórus” (ou Pai, Mãe e Filho) - está refletida na trindade da família humana.

Hodson, na obra “O Reino dos Deuses”, relata os mecanismos que atuam desde o plano invisível - pelo trabalho de Anjos, Devas e Espíritos da Natureza - para dar forma a todos os modelos programados na Mente Divina. Um desses Anjos é a própria Mãe do Mundo.

Diz Hodson: “O Princípio cósmico maternal está universalmente manifesto, e todos os seus atributos conservadores e reprodutores estão ativos em toda a Natureza. Fisicamente se expressa tanto como polaridade química negativa, quanto como feminilidade de todo o mundo orgânico”, indicando que, desde a formação das substâncias químicas, a dualidade “masculino-feminino” está dando suporte à vida.

“A Mãe do Mundo planetária é concebida em certas escolas de filosofia oculta como uma altamente evoluída Representante e Incorporação Angélica do Aspecto Feminino da Divindade. É também concebida como um Oficial Adepto do Governo Oculto do Mundo, em quem todas as mais elevadas qualidades de feminilidade e maternidade brilham em sua mais completa perfeição”, diz ainda Hodson.

A evolução humana é regida por três instrumentos de consciência: a dor, o conhecimento e o amor. No começo, a dor naturalmente predomina. A criança só conhece a natureza do fogo depois que colocou a mão nele. A dor leva ao conhecimento, este leva à compreensão e finalmente ao amor. Assim acontece também com o próprio caminho do conhecimento. No final, tudo converge para o amor, onde está a essência da Sabedoria.

Como Sabedoria, o Amor nada tem a ver com as preferências e apegos do amor humano. Amando pela essência, ele ama o “um” no Todo e o Todo no “um”. Quanto a ele, nada pode ser subtraído ou acrescentado.

Ramakrishna, santo hindu do século 19, cultuava a Mãe Divina dizendo “Ó Mãe! Concede-me que eu possa ter uma devoção pura e simples. Aqui está o pecado, aqui está a virtude; eu os ponho a Teus pés. Oh! Toma-os ambos. Aqui está o conhecimento, aqui também está a ignorância. Oh! Toma-os ambos e concede-me que eu possa ter tão só devoção. Aqui está a pureza e aqui também a impureza; não desejo nenhuma das duas. Aqui há boas obras, aqui há obras más; todas coloco a Teus pés. Concede-me que eu só tenha devoção e amor por Ti”.

No colo da mãe terrena - refúgio do mais abnegado amor humano - as dores do filho são consoladas. No regaço da Mãe Divina elas são extintas pela libertação que o Amor Universal propicia, como via direta para Deus. 

Walter S.B., membro da SOCIEDADE TEOSÓFICA


Homens e mulheres são iguais, porém diferentes


Se os braços de uma jovem – feitos para amparar o amor, a maternidade, a beleza – embalam ao invés disso uma metralhadora, que sentimento isso nos causa?

Nos dias de hoje, excetuando culturas como a islâmica (inabalável ao longo do tempo pela força da religião), há uma tendência crescente à equiparação de homens e mulheres em todos os setores da vida social. Entre os fatores que contribuíram para isso, destacam-se o maior acesso das mulheres ao mercado de trabalho e o grau de liberdade alcançado por elas com o advento da “pílula”.

Relatos históricos mostram momentos importantes nesse processo de equiparação, caracterizando-o não como um “presente” da ala masculina às mulheres, mas como efeito do empenho e sacrifício delas mesmas. A Revolução Francesa foi um desses momentos.

Desde o início da revolução, as francesas participaram ativamente da vida política. Segundo as enciclopédias, “Em 1792, uma delegação encabeçada por Etta Palm foi até a Assembléia para exigir que as mulheres tivessem acesso ao serviço público e às forças armadas. Essa exigência não foi atendida. Robespierre proibiu que as mulheres se associassem a clubes, e o projeto de igualdade política de ambos os sexos foi arquivado”.

À parte a indiscutível igualdade de direitos entre cidadãos e cidadãs, se observarmos que as cidadãs diferem dos cidadãos – não apenas na conformação invertida do sexo, mas também na estrutura óssea, cerebral e anatômica, na musculatura, pele e organização hormonal, além das inclinações da mente e do coração – o que somos levados a pensar?

Tais diferenças são colocadas em relevo por Allan e Barbara Pease na seriíssima obra “Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor?”, com indicações interessantes sobre o que cada sexo pode fazer melhor. “As mulheres se destacam em áreas onde é preciso mais criatividade do que raciocínio abstrato, como as artes, o ensino, os recursos humanos e a literatura”, dizem. Várias outras áreas podem ser acrescentadas, com ênfase na política e na sustentação das relações administrativas e sociais, alimentação e saúde.

Segundo a teósofa Clara Codd, “A Ciência Sagrada nos diz que o homem e a mulher juntos representam as forças criativas gêmeas do Universo, positiva e negativa, centrífuga e centrípeta, vida manifesta e vida oculta. No conjunto, o homem é positivo, expressa-se para o exterior; a mulher é negativa, receptiva”.

No plano da natureza, o pólo masculino – movido pela iniciativa e pela força – tem os atributos de fecundar e prover. Já o feminino, tocado pela compreensão e beleza, tem os atributos de gerar e manter. São poderes complementares. Se na família – como matriz do mundo – um desses poderes falha, ela tende a se dissolver, a entrar em colapso. Algo dentro dela deixa de funcionar na plenitude de sua capacidade realizadora.

 “Os homens e as mulheres não são rivais, mas cooperadores, sendo inteiramente diferentes na natureza e na aparência. Proibir um sexo de empregar os seus poderes peculiares e o seu ponto de vista sobre a vida da nação, é como fechar permanentemente um olho e querer enxergar tão bem quanto com os dois abertos” diz Clara Codd.

Trabalhando fora ou não, a mulher já não é mais apenas “do lar”. Nas asas da comunicação global, o mundo está dentro de sua casa. Após séculos de auto-entrega silenciosa, hoje ela pode trabalhar ativamente ao lado do homem na construção de uma sociedade mais fraterna, consciente de sua responsabilidade planetária. Se, ao contrário, focalizar-se no  homem como algo a ser imitado ou suplantado em seus próprios termos, talvez não vá além de fabricar um sub-homem, o que seria, sem dúvida, algo indigno dela mesma.


Walter Barbosa, membro da SOCIEDADE TEOSÓFICA

O rei e o carroceiro


Muito tempo atrás havia um rei chamado Janashruti que governava o reino de Mahavrisha, na Índia. Ele tinha uma disposição muito caridosa e era conhecido por sua filantropia. Sentia-se orgulhoso disso e pensava ter acumulado muitos méritos.

Certa noite, o rei descansava no terraço de seu palácio, quando um casal de cisnes passou voando. O macho disse à fêmea: “Você não viu o feixe brilhante de luz que emana do Rei Janashruti? Não cruze esse feixe, pois ficará queimada. O rei lança essa luz por causa de suas inúmeras caridades”. A fêmea riu e disse: “Por que você me ameaça? Somos peregrinos do céu. Além disso, qual é o mérito desse rei comparado ao de Raikva, o carroceiro?”

O rei ouviu essa conversa e ficou inquieto. Decidiu procurar Raikva para descobrir o que o fizera dono de mais mérito que ele, a despeito de todas as suas caridades. Depois de muita busca, o carroceiro foi encontrado em uma pequena aldeia. O rei foi ao seu encontro e levou-lhe muitos presentes, prestando-lhe homenagens.

Raikva, porém, disse ao rei: “Oh real amigo, por que desperdiçar essas coisas preciosas comigo? Tudo isso e uma centena de reinos não podem comprar conhecimento espiritual... Essas quinquilharias não têm valor para mim”. O rei sentiu-se muito ferido com as palavras de Raikva e voltou para o seu palácio, desapontado.

Como na história do rei Janashruti, nossa jornada espiritual é pontilhada de desapontamentos e perdas - e aí está o crescimento, já que a tônica dessa aventura é o paradoxo. Nela, as leis são exatamente opostas às que regem o sucesso no mundo. Ao dizer “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” Jesus nos ensinou isso.

Na obra “O Chamado dos Upanixades” - onde a história acima se encontra - Rohit Mehta escreve: “O homem só tem certeza sobre o conhecimento quando é capaz de lhe dar um nome”. Com base nessa perspectiva, ele monta sua estrutura de valores e ela funciona no mundo externo, porque aí todas as pessoas pensam e reagem da mesma forma. Porém, o nome é apenas um rótulo, não é a coisa. No mundo interno o que conta é a essência.

“O mundo externo é governado por leis de tempo e espaço, porque todas as coisas são compostas e interagem entre si, dentro do tempo e do espaço. No mundo interno, não existe tempo nem espaço. Apenas uma única e indivisível totalidade, onde os eventos acontecem espontaneamente, de momento em momento, sem uma interação linear”, esclarece-nos o teósofo Einar Adalsteinsson. Tudo isso aponta numa só direção: o Espírito não pode ser controlado. Ou, nas palavras do apóstolo Paulo, “Com Deus não se barganha”.

 Na história acima, o rei acabou voltando humildemente ao carroceiro e foi aceito como seu discípulo, sendo-lhe ensinado que o “Espírito, em si mesmo incriado, criou tudo e tudo sustenta. O Espírito nada come, isto é, ele não precisa de nada. Ele é auto-sustentado e auto-suficiente. Tudo pertence ao Espírito, todas as coisas não passam de instrumento de sua vontade”.

Na despedida, o carroceiro disse: “Volte, grande rei, para seu palácio. Doe, mas não com orgulho, não com um olho na fama. Dê, não como algo que é seu, mas que lhe é dado pelo Espírito para dar aos outros. Aquele que vê essa verdade se torna um vidente e para ele nada falta, ele se torna o desfrutador de todas as coisas”.

Saber-se mero desfrutador- e não dono - é o estado daquele que alcança a iluminação. Contudo, estando ligado ao Espírito, paradoxalmente tudo passa a pertencer-lhe pela essência, o que corresponde à “Plenitude do Vazio” na tradição Zen. Algo que “os ladrões não roubam, nem a traça corrói”.

Walter Barbosa, membro da SOCIEDADE TEOSÓFICA